A polêmica sobre o café Edição Limitada Master Origin Aged Sumatra da Nespresso

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Lançado em agosto último pela Nespresso, o polêmico café, que faz parte uma edição especial, e que estará disponível somente até o final de outubro, insuflou os ânimos dos profissionais do mercado, dividindo as opiniões entre os que acharam que era puro marketing e os defensores de novas experiências.

Pra quem não acompanhou as discussões, o Origen Aged Sumatra, segundo a Nespresso, foi feito a partir da colheita manual de grãos 100% arábica, colhidos em 2016 onde o café passou por um processo de maturação de três anos até chegar na xícara do consumidor. Armazenados em sacos de juta permeáveis, os grãos passaram por um lento processo de perda e ganho de umidade, seguindo o ritmo da natureza. A cada três meses, esses sacos eram abertos para que os grãos ficassem expostos ao ar e secassem de forma uniforme. O resultado, ainda segundo a companhia, é um café rico em notas amadeiradas e que ressalta sabores como cacau e caramelo.

Crédito: assessoria Nespresso

E foi aí que começou a polêmica: o Origen Aged Sumatra é um café envelhecido ou velho? Um dos primeiros a se posicionar sobre o assunto foi o barista e empreendedor Léo Moço, que chegou a publicar em 21 de agosto, na sua conta no instagram, @barista.leomoco, um vídeo explicando porque ele achava que era apenas uma jogada de marketing. “A semente do café é um ser vivo e, desde que é feita a colheita, esse ser vivo tem um prazo de vida. E esse prazo, se for muito bem cuidado, em condições ótimas, fora das sacas de juta, temperatura de 10 graus, em pergaminho ou em coco, nós conseguimos, sim, garantir essa vida, prolongar por um ano, um ano e meio talvez. Porém, esse processo eu vocês fazem de envelhecimento, nada mais é do que deixar o café velho e morto. Isso é químico. Isso não é tecnologia, não é um detalhe sobre revirar o café a cada três meses durante três anos. Isso é um processo natural e irreversível que acontece com a semente. Isso é conhecimento científico de quem trabalha com sementes. Gostaria de fazer esse vídeo para alertar, você consumidor, de que isso nada mais é do que um jogo de marketing de uma empresa que poderia estar fazendo um ótimo trabalho, quem sabe em relação de um novo sabor de um café velho”, concluiu.

Café

Crédito: assessoria Nespresso

Já o mestre de torra Ensei Neto, compartilhou sua opinião também em sua conta no instagram, @enseineto: “esse café foi produzido segundo um clássico processo muito praticado na Indonésia, cujo clima predominante no verão é abafado e calorente, conhecido como Monções e, por isso, os cafés daquela região recebem o nome de monsoonian. Assim como no Brasil, os cafés recém-colhidos vão para os armazéns num período particularmente crítico, que é o verão, sempre chuvoso e quente. Esta combinação perversa aumenta o estresse dos grãos armazenados, diminuindo fortemente sua vida. Sim, as sementes das frutas dos cafeeiros são secadas pelos produtores até 10,5% e 11,5% m/m com o objetivo de serem mantidas vivas até o momento da torra. Logo, a certeza é a de que as sementes morrem, como todo ser vivo. A morte da semente leva à perda dos voláteis que ficam nos interstícios, ressaltando o gosto da celulose ou madeira. Mas, no Brasil, ter café envelhecidos era prática comum entre fazendas do sul de Minas e Mogiana, que eram (e ainda são) vendidos como descansados ou repousados por conhecidos produtores. Portanto, essa novidade não é tão nova assim. Portanto, relaxe e aprecie. Experimentar é sempre bom, principalmente sem preconceitos ou às cegas, esclareceu.

Café

Crédito: assessoria Nespresso

Para colocar mais lenha ainda nessa fogueira, fomos conversar, com exclusividade, com o pesquisador do Instituto Agronômico (IAC), Gerson Giomo, que só concordou em dar sua opinião por escrito. O IAC é um órgão ligado diretamente à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo

Giomo é engenheiro agrônomo pela Universidade Estadual Paulista (1993), mestrado (1999) e doutorado em Agronomia pela Universidade Estadual Paulista (2003) e pós-doutorado em Engenharia Agrícola-Processamento de Produtos Agrícolas pela Universidade Federal de Lavras (2009). Pesquisador científico do Instituto Agronômico (IAC), atua nas áreas de Pós-Colheita, Sistemas de Produção de Café, Tecnologia de Processamento e Controle de Qualidade do Café, com ênfase à qualidade sensorial. É degustador internacional de cafés especiais pela Specialty Coffee Association (SCA) e QGrader certificado pelo Coffee Quality Institute (CQI).

Veja, abaixo, o que a Academia pensa sobre o assunto:

CAFÉ VELHO/CAFÉ ENVELHECIDO

Grão Especial – O que é café velho?
Gerson Giomo – De modo geral, pode-se dizer que café velho é qualquer café que não seja de safra atual, que envelheceu naturalmente durante um determinado período de armazenamento dos grãos. Assim, um café armazenado de forma convencional em sacaria de juta e em ambiente não climatizado já é considerado velho a partir de 12 meses após a colheita, sendo chamados também de “cafés de safra remanescente”.

Grão Especial – Qual a diferença entre café velho e café envelhecido?
Gerson Giomo – Se café velho aquele que sofreu um processo de envelhecimento natural em função do tempo de armazenamento, ou seja, um envelhecimento pela idade do grão armazenado.
Café envelhecido é um café que foi submetido a algum processo de envelhecimento artificial, em condições controladas por determinado período de tempo. Nesse processo de envelhecimento ocorrem alterações físico-químicas nos grãos que proporcionam um perfil sensorial diferenciado sem que a bebida apresente necessariamente aroma e sabor característicos de café velho. Cita-se como exemplo desse processo o “café das monções”, produzido em Malabar/Indonésia, onde o café é envelhecido por período de 3 a 4 meses em condições de alta umidade relativa do ar. Importante ressaltar que esse processo de envelhecimento se aplica para cafés novos, recém-colhidos, ou seja, de safra atual.
Portanto, se o café envelhecido for de safra remanescente, será considerado café velho também, pois apresentará perda de qualidade da mesma forma como o café que envelheceu naturalmente ao longo do tempo de armazenamento, diferindo apenas na intensidade de percepção de alguns aromas e sabores característicos de café velho.

Grão Especial – A semente do café é um ser vivo. Desde o momento da colheita ele tem prazo de vida. Se for muito bem cuidado em condições ótimas, quanto tempo dura? Especialistas que eu ouvi dizem que o máximo de tempo que dá para prolongar é de um ano, um ano e meio no máximo. Você concorda com essa opinião?
Gerson Giomo – Há muitos equívocos quando se fala em sementes de café, por isso é preciso esclarecer algumas diferenças que existem entre sementes e grãos de café.
De modo geral, sementes de café são seres vivos, pois apresentam a capacidade de germinar e gerar uma nova plântula. Já os grãos de café não são necessariamente seres vivos, pois se destinam apenas à produção de alimentos e ou bebidas, servindo para essa finalidade mesmo estando parcial ou totalmente mortos.
Para ser considerado como semente, o café precisa ter sido produzido como tal, por meio de algum método que permita a preservação da qualidade fisiológica das mesmas a fim de que ocorra a germinação e produção de uma nova planta. O processo de produção de sementes de café é semelhante à produção de cafés lavados ou despolpados, porém há grande diferença na etapa de secagem. Enquanto na produção de grãos a secagem é feita até o teor de água em torno de 12%, na produção de sementes a secagem é feita até teor de água de 20%. Esse maior teor de água nas sementes é exatamente uma das condições que favorece a preservação da qualidade fisiológica por maior período de tempo. Sob essa ótica, percebe-se que o processo de secagem convencional do grão de café é considerado um dos primeiros fatores que favorece a sua morte prematura.
Outro ponto importante que precisa ser destacado é o processo de beneficiamento normalmente utilizado na produção de café. Para obtenção dos grãos, o café em coco ou em pergaminho é descascado mecanicamente em equipamentos que causam fortes impactos aos grãos, o que é suficiente para causar inúmeros danos mecânicos. Esses danos são denominados imediatos quando são visíveis, como grãos trincados, quebrados, rachados, esmagados, etc., e latentes quando só podem ser quantificados por meio de análises bioquímicas e fisiológicas, como o teste de germinação e de condutividade elétrica, por exemplo. Por isso, um grão de café beneficiado mecanicamente dificilmente irá germinar e produzir uma nova planta, principalmente se tiver sofrido danos na região do embrião. Ainda assim os grãos permanecem com células vivas no endosperma por certo tempo, por isso alguns se referem aos grãos como “organismos vivos”.
Em condições naturais de armazenamento, sem qualquer controle ambiental e em sacaria de juta, nota-se que há perda de qualidade do café já a partir de três meses, com alteração significativa da qualidade da bebida. Alguns trabalhos apontam que pode haver perda de até 8 pontos na classificação da bebida pela escala da Specialty Coffee Association (SCA) aos 180 dias de armazenamento do café nessas condições. Após 12 meses de armazenamento, o café já apresenta forte “gosto de café velho” e cor amarelada, que são as principais características de um grão de café velho.
Em condições controladas de temperatura e umidade relativa do ar, associada ao uso de embalagens herméticas, é possível prolongar a vida útil do grão de café, podendo chegar ou até mesmo superar 12 meses de armazenamento, sem que apresente os “sintomas” típicos de café velho, como alteração drástica de cor, de tamanho/densidade do grão ou de sabor da bebida.

Grão Especial – O processo de envelhecimento da semente é natural. Mas é irreversível? De alguma maneira, é possível parar o processo de envelhecimento? De que forma?
Gerson Giomo – Conforme ressaltado anteriormente, quando se trata de café para consumo, o mais apropriado é considerar o café como “grãos” e não como “sementes”. O processo de envelhecimento natural dos grãos de café durante o armazenamento é sim irreversível e não pode ser paralisado. Contudo, a velocidade de envelhecimento dos grãos pode ser diminuída pelo uso de embalagens impermeáveis associadas à redução da umidade relativa do ar (abaixo de 65%) e da temperatura do ambiente de armazenamento (abaixo de 20ºC). Para melhor resultado no armazenamento, é necessário que os grãos de café estejam com teor de água em torno de 12% e sejam de boa qualidade no início do armazenamento.
Grão Especial – Como o consumidor pode identificar as diferenças entre café velho e novo? Alguma dica de sabor? Forma? Cor?
Gerson Giomo – Para o consumidor final pode ser difícil identificar as diferenças entre um café velho e um novo, pois geralmente ele tem acesso somente aos grãos já torrados ou moídos prontos para consumo. Também se nota que uma boa parte de consumidores não está preparada para diferenciar café velho de café novo e, muitas vezes, nem para diferenciar a qualidade sensorial entre diferentes tipos de café.
Enquanto grão cru, um café velho apresenta coloração amarelada ou esbranquiçada, baixa densidade, expansão do tamanho do grão e cheiro característico de café velho (cheiro de café oxidado), que também lembra cheiro de papelão, madeira velha, celulose, óleo rançoso ou da própria sacaria de juta.
No café torrado é visível a superfície brilhante dos grãos devido ao extravasamento de óleos durante o processo de torra e aroma de óleo rançoso. No café moído percebe o aroma de café velho, que lembra madeira, sacaria e cereal e sabor de óleo de fritura velho. Na bebida nota-se baixa acidez, baixa doçura, baixo corpo, amargor intenso e aroma e sabor característico de café velho. Na prática se nota que cafés velhos não se desenvolvem normalmente durante a torra, devido à sua deterioração, o que requer a aplicação de torras mais escuras, mascarando possíveis defeitos dos grãos e acentuando o amargor da bebida.

Grão Especial – As sementes do café depois de um tempo não perdem propriedade? Por exemplo, amido?
Gerson Giomo – Tanto grãos como sementes de café perdem suas propriedades com o tempo de armazenamento. No processo de envelhecimento do café, natural ou artificial, há perdas, consumo e transformação de inúmeros compostos químicos causando importantes alterações físicas, químicas e sensoriais do café.
À medida que o grão de café vai envelhecendo ocorre uma desorganização de membranas celulares, extravasamento de solutos e diversos compostos químicos são consumidos e ou degradados, ficando mais evidente a presença dos compostos insolúveis em água, como os polissacarídeos celulose, hemicelulose e lignina que estão presentes no endosperma. São esses compostos que, juntamente com lipídeos oxidados e extravasados pelo rompimento de membranas celulares, originam os sabores e aromas característicos de café velho nos grãos torrados.

Grão Especial – O que é um café morto?
Gerson Giomo – De modo geral, qualquer grão de café pode ser considerado morto quando não há mais atividade respiratória, o que indica a morte das células constituintes do endosperma. Do ponto de vista fisiológico, se estivermos falando de sementes, café morto é aquele que perde a capacidade de germinação e de produção de plântulas normais aptas para a propagação da espécie, essencialmente devido a morte do embrião.
Se estivermos falando de grãos, em que o objetivo é servir como bebida, café morto é aquele que apresenta elevado grau de deterioração e morte celular a ponto de não apresentar mais a qualidade original intrínseca do varietal. Um café morto apresenta perda de matéria seca, perda de coloração ou branqueamento e desorganização no sistema de membranas celulares, com extravasamento de conteúdo celular, refletindo negativamente no aroma e sabor do café torrado.

Grão Especial – Quais as particularidades dos cafés da Indonésia? Na comparação com os brasileiros?
Gerson Giomo – Os cafés da Indonésia são totalmente diferentes dos cafés brasileiros, o que dificulta qualquer tipo de comparação. Há grandes diferenças relacionadas ao ambiente de produção (clima, altitude e tipo de solo), às cultivares plantadas e aos métodos de processamento e secagem. A maioria do café da Indonésia é produzida de forma artesanal, por pequenos produtores, com colheita 100% manual. Uma das maiores diferenças está no tipo de processamento pós-colheita, onde o café descascado passa por degomagem em tanque para remoção da mucilagem (via úmida). Em seguida, o café é seco até atingir em torno de 20% de água, quando então se remove o pergaminho e dá-se sequencia à secagem dos grãos sem pergaminho, até atingirem teor de água de 12%. Dessa forma, os cafés da Indonésia possuem uma coloração azulada e tendem a apresentar baixa acidez, elevado corpo e perfil sensorial bastante complexo e exótico que lembram cacau, tabaco, terra, fumaça, couro e cedro. Já os cafés brasileiros tendem a apresentar perfil sensorial pouco complexo, ressaltando notas comuns de caramelo, chocolate, alguns frutados e florais.
Em uma região específica da Indonésia, no Malabar/Java, é produzido um tipo diferente de café, denominado “café das monções”. Nesse caso, após a secagem, beneficiamento e classificação dos grãos por tamanho, o café é exposto a ambientes com alta umidade relativa do ar, causada por ventos e chuvas de monções, por período de 3 a 4 meses. Depois disso é feita nova separação dos grãos envelhecidos e o café está pronto para a comercialização. Nesse tipo de processamento o sabor original do café é alterado, adquirindo outras características sensoriais que lembram certo gosto de café velho, porém com boa acidez, bom corpo e sabores exóticos, sem ser considerado um café “tipicamente velho”. Nota-se que nesse caso específico o café é submetido a um tratamento de envelhecimento controlado, por certo período, porém não é considerado velho porque continua sendo da mesma safra na qual foi produzido.

Café

Crédito: assessoria Nespresso

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