Produzir seu próprio chocolate Bean to bar é o novo desafio da família Gutzeit.
A família Gutzeit, dona da fazenda Panorama, é originária da Alemanha e migrou para o Brasil no início do século passado. Se estabeleceram no Espírito Santo, como missionários e, em meados da década de 60, resolveram mudar para o Pará, para o município de Medicilândia, no meio da floresta Amazônica, e fundaram uma escola agrícola.
Ervino e Erna Gutzeit constituíram, ao lado da escola, uma fazenda, a Panorama, cujo objetivo era o de praticar uma agricultura sustensável. Escolheram o cacau para plantar, já que é natural da Amazônia, e que pode ser cultivada à sombra da floresta.
Hoje, a propriedade é tocada pela segunda e terceira geração da família, as filhas Eunice e Elcy, e o neto Elton.
Atualmente, apesar de todas as dificuldades logísticas, o município de Medicilândia, se tornou o maior produtor de cacau do país junto com outras cinco cidades próximas: Pacajá, Anapu, Vitória do Xingu, Brasil Novo e Uruará, que, juntas, formam o Polo da Transamazônica, diga-se de passagem, a região cacaueira mais importante do estado. O Pará ainda abriga mais duas regiões produtoras de cacau, o Polo do Médio Amazonas e o de Bragantina.
A região é cortada pela Transamazônica, a BR – 230, construída pelos militares durante a ditadura, que nunca foi concluída (o projeto inicial previa a construção de nove mil km, mas passados mais de quatro décadas apenas 20% foram de fato concluídos) e que muitos apontam como a maior causa do desmatamento desordenado da floresta Amazônica. Do total de 1.751 km construídos, pouco menos de 10% são asfaltados e, vários trechos, na época das chuvas, ficam intransitáveis, dificultando a logística dos produtores. O percurso de Medicilândia até Altamira é asfaltado, uma viagem de 90 km que, antes de pavimentado, podia durar quatro dias por causa dos atoleiros. Mas está longe de ter as condições ideais.
A Panorama
A fazenda possui 2027 hectares de área, com 200 mil pés de cacau distribuídos por 30 roças. Em 2019, produziu 250 toneladas de amêndoas, sendo 20% da produção de cacau especial. “Ainda não é possível produzir cacau especial em toda a propriedade, mas, a cada ano, a área plantada vem aumentando progressivamente com vistas à exportação”, explica Helton Gutzeit. Emprega 30 famílias em regime de CLT, e os filhos dos funcionários frequentam a escola agrícola dentro da fazenda.
Optaram por plantar um cacau híbrido desenvolvido pela CEPLAC (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira), composto pelas variedades Forasteiro Amazônico, Trinitário e Criollo, cujas características são uma maior produtividade e resistência a doenças.
A colheita
A primeira etapa do processo de seleção do cacau especial é a colheita manual, onde são colhidos apenas frutos devidamente maduros, que apresentam uma coloração dourada. Depois, o cacau é colhido por um dos trabalhadores da Panorama, que se utiliza de um balaio de arame liso, carregado nas costas. Daí, os frutos são levados para a fermentação, etapa fundamental para assegurar a qualidade do produto final, o chocolate.
Após a seleção, os frutos são quebrados com um facão curto e colocados em pedaços de pano e lona de tamanho apropriado. Após a quebra, acontece o ensacamento em sacos de fibra. As amêndoas são separadas da casca da fruta (por questões de higiene e para não se correr o risco de contaminação) e colocadas em caixas de plástico. Depois, são transportados até a casa de fermentação, onde são depositados diretamente em cochos.
“A fermentação dura sete dias, com o primeiro revolvimento após 48 horas. Depois desse período, as amêndoas passam a ser revolvidas de 24 em 24 horas. Os cochos são cobertos com folhas de bananeira para evitar o ressecamento das amêndoas da superfície e manter a temperatura. Na sequência, as amêndoas são espalhadas por toda a área da estufa e secam com o auxílio da luz do sol. A cada 30 minutos são reviradas. Este processo é finalizado com o teste de quebra das amêndoas”, explica Helton.
Prova de corte
A qualidade do processo de fermentação e secagem é definida por meio da realização da prova de corte, onde são analisados três fatores básicos em cada lote: se as amêndoas apresentam defeitos graves (mofos, ardósias, se foram germinadas), se a taxa de sementes achatadas está dentro do limite aceitável, que é de menos de 3%, e se há uma quantidade reduzida de amêndoas violetas.
“O processo de produção do nosso chocolate é feito de uma maneira artesanal, onde toda a amêndoa é selecionada para a torra, que é a etapa onde definimos como será a “alma” do chocolate”, explica Helton.
Como resultado de tanto trabalho, em 2018 começaram a investir em consultorias e testes de fermentação e, em 2018 participaram do I Concurso Nacional realizado pelo CIC (Centro de Inovação do Cacau), ficando com o primeiro e segundo lugares como melhor amêndoa na categoria Blend. E, em 2020, ficaram em segundo lugar na
mesma categoria.
Mercado Internacional
Em novembro de 2019, participaram pela primeira vez do Cocoa Awards, em Paris, premiação que faz parte da maior feira de chocolates do mundo e suas amêndoas foram selecionadas entre as 50 melhores do mundo. Foi uma ótima oportunidade para apresentar suas amêndoas para alguns dos mais importantes chefs franceses sendo qua a famosa marca Bonnat, adquiriu seu primeiro lote de amêndoas recentemente. “Estamos muito orgulhosos e mantendo contato com diversos outros chefs europeus que receberam amostras e estão muito interessados em produzir chocolates Bean to Bar com as amêndoas da Panorama”, conta Eunice.
Agrofloresta e preservação da Amazônia
Cerca de 10 hectares da fazenda Panorama foram reservados para a produção de cacau agroflorestal ou cabruca (termo cunhado pelos baianos para designar uma plantação de cacau à sombra da floresta atlântica) amazônica. É uma aposta da fazenda no mercado de chocolates Bean to Bar, cujos chocolate-makers, em tese, estão dispostos a pagar um pouco mais pelas amêndoas de cacau, já que o manejo agroflorestal encarece a produção. Em contrapartida, é possível alcançar notas aromáticas especiais, muito apreciadas pelo mercado internacional. “Cacau é muito manual, muito oneroso, com dificuldade de mão de obra. Não existe modelo perfeito, mas estamos tentando equilibrar o modelo ecologicamente correto com rentabilidade. Para isso, estamos buscando cada vez mais mercados internacionais, sofisticados, que valorizam nosso esforço em produzir cacau de qualidade, orgânico, no meio da floresta Amazônica, de forma sustentável”, explica Helton.
O restante da produção de cacau da fazenda ainda é dirigido para a grande indústria.
O chocolate Gutzeit
Diferente de Helton e Elcy, que moram na fazenda, Eunice Gutzeit fica em São Paulo a maior parte do tempo e é responsável pelas exportações e pelas participações nas feiras internacionais. Atenta ao mercado, está trabalhando para o lançamento do produto final, os chocolates Bean to Bar Gutzeit e pelas vendas para o mercado internacional.
“Fiz alguns cursos de chocolate-maker mas não me considero uma expert. Temos um acordo com a Casa Lasevicius, ler matéria aqui, para produzirem nossos chocolates, mas estou também estudando outras possibilidades para podermos aumentar nossa produção Queremos deixar de produzir apenas a matéria-prima para termos nossa marca Gutzeit entre as melhores do mundo. Sei que vai levar algum tempo, necessário para o amadurecimento do projeto. Quero mesclar em nossos chocolates frutas de origem amazônica como o cupuaçu, que começamos a plantar na fazenda e a primeira safra será colhida em janeiro de 2021, com o abricó gigante da Amazônia, com o cumaru, com o açaí, etc.”, conta Eunice
Nesse momento, o chocolate Gutzeit é apresentado em três barras: 70% com cupuaçu, 70% só cacau e 50% ao leite. “Em breve, teremos mais três novas versões, mais ainda estamos ainda em fase de planejamento, não definimos quais serão”, finaliza Eunice.
Fotos: Créditos Fazenda Panorama