Objetivo é ficar entre os 16 melhores baristas do mundo
O campeão brasileiro de baristas 2017, Leo Moço, tem uma carreira recheada de sucessos. Venceu o mesmo certame em 2015, e leva uma vida atribulada, por conta de sua cafeteria, Café do Moço, em Curitiba, seus trabalhos de torra, além, é claro, dos cuidados com a família.
Agora, em novembro, irá embarcar para Seul, Coreia, para participar do Campeonato Mundial de Baristas, a ser realizado de 9 a 12 de novembro. Um campo minado. E dominado pelos jovens baristas orientais que, como Leo mesmo explica, são financiados, em sua maioria, por grandes empresas, são muito jovens (por volta de 25 anos), e chegam a treinar mais de um ano para participar do evento.
Tão diferente da nossa realidade. Lá fora, os calendários de eventos são fechados com mais de um ano de antecedência, o que dá para se planejar. “No Japão, só para se ter uma ideia, o barista treina o perfil da torra do café que irá apresentar ao longo de todo o ano”, explica o campeão brasileiro. “Inclusive, já definiram o campeão que irá defender o país no campeonato mundial de baristas de 2018”, diz.
Aqui, os campeonatos são marcados na última hora e, geralmente, os baristas participantes conhecem seus cafés uma semana antes do campeonato acontecer.
Outro problema apresentado por Leo é que a máquina de espresso utilizada no mundial é uma Victoria Arduino, modelo Black Eagle, com vaporização e extração, e a que é utilizada no campeonato brasileiro é outra, totalmente diferente. “ Os tamanhos são diferentes, o posicionamento na bancada é outro e a estrutura da minha apresentação tem necessariamente que mudar”, explica. Moço.
Coach japonês
Esse ano, Leo Moço resolveu entrar pra valer no Campeonato Internacional. Contratou um coach japonês, Yoshihara Sakamoto, da cidade de Yokohama. É o atual treinador do vice-campeão mundial, Yoshihazu Iwaze.
Mas é preciso muita grana. Somente o custo do treinador é de US$ 2 mil por dia, mais passagem aérea, hotel e alimentação. Já os custos de passagem, hospedagem e alimentação de Leo Moço, em Seul, serão pagos pela BSCA. “Eu treinei três meses, eles treinam mais de um ano”, desabafa.
Além de todos esses custos altos, têm mais um entrave: a maioria esmagadora dos competidores, utilizam os cafés Gueisha, do Panamá, os mais caros do mundo. O vice-campeão do Japão, usou um Gueisha de US$ 5 mil o kg. E ele não foi exceção: no último campeonato japonês, dos seis baristas que estavam participando da final, todos usaram o Gueisha”, conta perplexo. “Além disso, são perfeitos, precisos, cada movimento é estudado e repetido à exaustão. É tão diferente o nível que, pra ser muito sincero, na final do campeonato japonês desse ano, dos 16 finalistas, todos, sem exceção, poderiam vencer o último campeonato brasileiro e, certamente, o venceriam”, desabafa Leo.
(Leo Moço preparando seu espresso para competição: principal nome brasileiro em barismo /Foto: Facebook Café do Moço)
Participação de brasileiros nos campeonatos
Com todos esses entraves, não é a toa que a participação dos baristas brasileiros nos campeonatos mundiais têm deixado muito a desejar. Infelizmente, não é porque somos os maiores produtores de café do mundo que temos os melhores baristas. Pelo contrário. Aqui, quando um barista faz sucesso de alguma forma, imediatamente, ele deixa de extrair o café em seu cotidiano. Vai se dedicar a outras coisas. Lá fora, o cara pode ter uma cafeteria, mil outras atividades como palestras, aulas, torra e etc. Mas ele está todo dia lidando com sua máquina de espresso e treinando, treinando, treinando… .
Como fazer frente a eles?
Para fazer frente aos baristas que irão competir no campeonato mundial, Leo escolheu ressaltar nossa brasilidade. “Irei salientar os aromas e paladares bem brasileiros. Escolhi um café especial selvagem brasileiro, um wild coffee, como o mercado gosta de chamar’, conta. É da fazenda Santuário Sul, de Carmo de Minas, Minas Gerais. Os produtores descobriram esse café há dois anos, dentro de uma floresta fechada que faz parte da propriedade. Livre de qualquer ação humana, plantado há mais ou menos cem anos, seus pés têm mais de 15 metros de altura. “Provei esse café juntamente com o head judge do campeonato brasileiro, Yoshi Kato, e ele ficou bem animado, por lembrar bastante os Gueishas. Ele é arábica, mas se desconhece sua variedade. Provavelmente foi plantado por algum escravo fugido, de algum quilombo da região, que plantou dentro da floresta para consumo próprio”, conta Leo.
Em sua apresentação, irá enaltecer o trabalho dos pequenos produtores brasileiros, e sua importância no mercado global de cafés especiais. “Quero contar sobre a não interferência humana no processo, lembrando que a natureza ainda manda, em se tratando do cultivo do café. E exemplificar que as variedades menos produtivas trazem uma complexidade única à bebida. Nosso pensamento é sempre de uma produção maior. Precisamos entrar no mercado de super especiais”, enfatiza Leo.
Escolha dos cafés
Escolheu o wild coffee para seu espresso e, para seu com leite, Leo vai utilizar um café da fazenda Daterra, do Cerrado Mineiro, da cidade de Patrocínio, MG. Da variedade Laurina é um descafeinado natural, com 0,3% de cafeína. Pra se ter uma ideia, o arábica tem 1,2% de cafeína, sem sofrer nenhum processo químico.
(Leo fazendo cupping: sua apresentação vai enaltecer o trabalho dos pequenos produtores brasileiros, e sua importância no mercado global de cafés especiais /Foto: Facebook Café do Moço)
Leo vai compor seu descafeinado natural com leite para agregar valor biológico alto, apresentando uma absorção maior do cálcio. “O mundo consome muita bebida com leite. Eu apresentei essa ideia para o coach, que me ajudou a colocar as ideias em ordem. Como tenho formação em nutrição, quero puxar minha apresentação para esse cenário de saúde, enaltecer que o consumo de café faz bem para a saúde e mostrar o descafeinado natural, com leite misturado a frutas vermelhas como o morango, trazendo absorção maior do cálcio pelo organismo. Tudo para equilibrar os sabores”, explica.
Aliás, o descafeinado natural é uma variedade pouco produzida no Brasil. É uma mutação de um bourbon, com grãos menores, pontiagudos, bem diferentes. Sua produtividade é pequena mas é um café que bebe acima de 90 pontos. “O IAC já fez inúmeras pesquisas sobre ele, mas as fazendas ainda não se convenceram em plantar porque é uma variedade difícil de produzir e bastante suscetível a pragas”, explica o profissional.
“Mas eu acredito que vale muito à pena. No ano passado, a fazenda Daterra vendeu um lote de maceração carbônica a R$ 26 mil, para a empresa espanhola Mar & Terra.”, conta.
Para o Drink
Já para o drink de assinatura, Leo foi buscar inspiração no Brasil mais selvagem: na Amazônia. Foi à Manaus fazer umas pesquisas de sabor já que lá é um celeiro de aromas, sabores, frutas, com uma riqueza de produtos inigualável . E escolheu alguns ingredientes como o cupuaçu, a pitomba, o cumaru ( a baunilha amazônica), e a priprioca.
“O meu drink terá duas camadas, a primeira é uma base fria de cupuaçu, cremosa. E na quente, os jurados poderão sentir a acidez dos ingredientes amazônicos de diferentes texturas. Também vou usar um defumador muito utilizado na gastronomia molecular para defumar a taça com o puxuri ( uma espécie de castanha). Concluindo, a apresentação vai ficar muito legal, bem brasileira”, se alegra.
Seus cafés serão torrados no Japão, como parte do trabalho do coach. Ele procurou os melhores profissionais de cada área, para que eu não tenha que me preocupar com nada, somente com a apresentação”, diz.
Como julgar o que não se conhece?
Para ajudar o trabalho dos jurados, Leo irá utilizar uma maquete, cujo principal objetivo é o de auxiliar o corpo de jurados a identificar a história do café selvagem brasileiro e também na identificação dos sabores das frutas amazônicas, já que a maioria delas não são familiares nem aos nossos paladares, que dirá para um corpo de jurados internacional. “Compramos os acessórios no Japão mas a maquete está sendo preparada aqui, conta. “ É muito legal, pois também estamos ajudando esses profissionais a reconhecer novos sabores brasileiros’, diz.
(Leo vai usar uma maquete para auxiliar o corpo de jurados a identificar a história do café selvagem brasileiro /Foto: Facebook Café do Moço)
“Nesse processo de treinamento com meu coach japonês, aprendi que os orientais, quando querem fazer algo, se dedicam muito, dão o seu melhor. Em algumas culturas, como a nossa, isso é visto de modo meio enviesado. Parece que é feio ser vencedor, competir, ser o melhor Aqui, as pessoas dizem: ah, o cara tem que ser humilde. Mas numa competição, não existe essa humildade. Quero ganhar. A humildade tem que aparecer em outros momentos: no trato com as pessoas no dia a dia, na nossa vida pessoal, não numa competição”, finaliza.
A gente te entende, Leo. Estamos torcendo pra você ter um bom resultado no mundial!
Na volta
Quando voltar ao Brasil, Leo prometeu replicar seus cafés em seu estabelecimento. Se ele conseguir uma brecha em sua agenda, vamos publicar um vídeo com suas receitas. Aguardem!
Antes disso, Leo terá mais um desafio pela frente: vai assumir a loja de seu parceiro, em Manaus, a “Como em Casa,” que está se mudando para um novo e maior endereço. “Será uma pequena loja do Café do Moço, uma boutique e torrefação, onde venderemos produtos e acessórios no bairro de Adrianópolis”, confidencia.
Definitivamente, o norte do país já está no radar de todos que trabalham com cafés especiais no Brasil. “Nossa meta é educar cada vez mais o público local, é mostrar, principalmente para os visitantes estrangeiros, as nuances de sabor dos nossos cafés especiais”, ressalta.