Cuori di Cacao
A Cuori di Cacao (cuoredicacao.com.br), das irmãs Bibiana e Carolina Schneider nasceu em Curitiba, com a produção de trufas de chocolate, na forma tradicional. Depois de alguma pesquisa, encontraram três produtores de cacau fino no sul da Bahia, e se iniciaram no mundo dos chocolates Bean to Bar. Leia abaixo os principais trechos de nossa entrevista com Bibiana Schneider, uma das sócias e fundadora da Cuori di Cacao. No vídeo, você acompanha a entrevista na íntegra.
Entrevista com Bibiana Schneider
Grão Especial – Como surgiu a Cuori di Cacao? Li que a mãe de vocês é chef de cozinha?
Bibiana Schneider – Temos uma ligação com gastronomia muito forte, nossa mãe sempre amou cozinhar e pesquisar sobre comidas. Meus pais tiveram um restaurante, e eles passaram por uma situação em que minha mãe se viu obrigada a vestir o jaleco e ir para o fogão. Nessa época, eu a Carolina éramos adolescentes, vivíamos 24 horas aquele ambiente. A minha irmã já sonhava em seguir os passos da minha mãe, mas eu não.
Grão Especial – mas, pelo o que entendi, sua mãe cozinha salgados, certo? Daí a se interessarem pelo chocolate, como foi?
Bibiana Schneider – Essa é a parte mais curiosa. A Carolina, sempre quis trabalhar com gastronomia. Com 14 anos pediu pra fazer estágio num restaurante francês muito famoso, que tinha aqui em Curitiba. Depois, foi para a França e a Suíça fazer diversos cursos.
Grão Especial – E o chocolate era o interesse das duas?
Bibiana Schneider – Não, eu me formei em Belas Artes, fiz design. Até que um dia, estávamos cursando a faculdade, ela de gastronomia e eu de Belas Artes e teve uma greve. Estávamos sem fazer nada e, para nos ocupar, pegamos um livro antigo da minha mãe e achamos uma receita de trufas de chocolate. Fizemos, ficou bom, minha irmã começou a oferecer para umas amigas que, por sua vez encomendaram para outras amigas e o crescimento foi exponencial. Em seguida um hotel da cidade fez umas encomendas das trufas. Com toda essa movimentação, me encantei e vi que podia ajudar com o processo criativo, com as embalagens.
Então, em pouco tempo, nós estávamos completamente envolvidas, numa produção maior. Em dois anos saímos da sozinha de casa para trabalhar na cozinha do restaurante dos meus pais. A partir daí fomos nos profissionalizando, procurando matérias-primas melhores, equipamentos e, logo, veio o sonho de ter uma marca própria, um espaço para podermos criar outras coisas com o chocolate, além das trufas. O que acabou acontecendo depois que terminamos a faculdade.
Grão Especial – E como vocês descobriram o movimento Bean to Bar?
Bibiana Schneider – A gente sonhava em ter um chocolate brasileiro bom, mas achávamos impossível produzir aqui. Até aquele momento, para nós, a produção era cheia de segredos, possível apenas de ser feito nas grandes indústrias, com equipamentos muito caros. Quando chegamos no Salão de Paris, recebemos muitos elogios por desenvolver a técnica, adoraram nossos bombons, muitos nos perguntaram porque não usávamos o cacau brasileiro? Mas a gente nem sabia que existia esse cacau bom por aqui. Cadê esse cacau brasileiro bom?
Grão Especial – E, ao voltar ao Brasil, acharam um bom cacau?
Bibiana Schneider – Sim, claro! Arrumamos três fornecedores do sul da Bahia. Na época, ainda havia muitas críticas com relação ao cacau brasileiro, que tinha ficado com a imagem arranhada no exterior pelos problemas com a praga da vassoura de bruxa. Hoje, é diferente, o mercado reconhece o esforço pela conquista da qualidade pelo produtor brasileiro. Tanto que, atualmente, concorrem de igual para igual com os produtores de outros países. Ao longo desses anos, tanto os produtores de cacau quanto os de chocolate Bean to Bar no Brasil, já ganharam diversos prêmios. Nesse sentido, o mundo do chocolate mudou muito, agora compartilhamos as informações porque temos consciência de que isso fortalece nosso mercado.
Grão Especial – O trabalho entre vocês é bem dividido? Carolina fica na cozinha e você no planejamento e no marketing?
Bibiana Schneider – Era assim quando a gente começou. Logo entendemos que as funções estavam muito mais entremeadas do que a gente imaginava. Então, a parte visual e comunicação fica preferencialmente comigo e desenvolvimento técnico de receitas, com a Carolina. Mas o fato é que eu trago muitas ideias de receitas e vice-versa.
Grão Especial – Para aderir ao Bean to Bar tiveram que mudar as receitas?
Bibiana Schneider – A princípio, não. Mantivemos as receitas originais e criamos um lote de chocolates Bean to Bar. Demos um nome para esses chocolates, incluímos as origens e passamos a ensinar que tal barra era feita de cacau originário da fazenda X, e que tinha suas próprias características. Desde o começo entendemos que era preciso fazer uma transição, uma vez que nosso público é muito exigente. Era preciso explicar que estávamos deixando de trabalhar com chocolate belga, que tem uma ótima reputação, para trabalhar com o nosso próprio chocolate, que é ainda melhor! Dessa forma, passamos a incentivar nossos clientes a comprar essas barras de diferentes origens para que eles experimentassem e descobrissem suas próprias preferências. A experiência foi muito bem-sucedida e, aos poucos, fomos lançando novos produtos Bean to Bar até que, em 2018, mudamos toda a linha. Não foi fácil, porque muda todo o equilíbrio das receitas, tivemos que adaptar, os equipamentos são maiores, mais caros, mas os resultados têm sido excelentes!
Grão Especial – Quem são suas referências internacionais na cena do chocolate?
Bibiana Schneider – Nossa, essa é uma resposta muito difícil de dar. Quando a gente começou, tínhamos referência de pouquíssimos franceses que faziam seu próprio chocolate. Na França, eram apenas três chocolate-makers, entre eles, Pierre Marcolini (www.eu.marcolini.com), a quem visitamos certa ocasião (na realidade, ele é belga). Hoje em dia é ainda muito mais difícil de dizer, porque o Bean to Bar é de uma riqueza tao grande, tem tanta gente produzindo chocolate de altíssima qualidade, têm tanas marcas.
Grão Especial – No Brasil, a maioria dos chocolate-makers segue a escola americana, não a francesa. Marcas como a Dandelion, Dick Tailor, etc., são incensadas por aqui. Mas pela ligação que vocês tiveram com a França, me parece que o chocolate da Cuori di Cacao segue mais a linha francesa. Estou errada?
Bibiana Schneider – Não, não está errada. A escola francesa foi nossa primeira formação, com a utilização de técnicas mais clássicas, finas, delicadas, tudo muito sutil. Mas acrescentamos a nossa própria base, o uso de combinações mais criativas, arrojadas, com ingredientes de frutas brasileiras e acrescentamos a tudo isso um pouco de nossas personalidades. Mas hoje também recebemos a influência dos americanos.
Grão Especial – Essas combinações de sabores mais brasileiros com o chocolate, vocês começaram pelas frutas? Como foi o casamento do chocolate com outros ingredientes?
Bibiana Schneider – Sim. Tivemos uma palestra na última Bean to Bar Chocolate Week, em 2019, justamente sobre isso. Nós, da Cuori di Cacao e a Gislaine, da Gallette (ler matéria aqui) fizemos o caminho igualmente opostos. Ambas as marcas começaram produzindo chocolates com ingredientes industrializados, que não eram brasileiros. E primeiro, desenvolvemos linhas de bombons e recheios para só depois transformarmos as nossas receitas.
Passamos a ter um olhar mais carinhoso para as barras. Trazer esses ingredientes para o nosso chocolate foi tão natural, até hoje é assim. Às vezes, estou comendo uma comida salgada, algum sabor me chama a atenção e já fico querendo harmonizar com o chocolate.
Grão Especial – Você percebe a influência materna nesse exercício?
Bibiana Schneider – Com certeza! Essa coisa de não ter medo de se apropriar das informações de gastronomia, que não são necessariamente do chocolate! Aliado a isso, eu tenho uma cabeça que não para de pensar. Por sua vez, a Carolina fica estudando as novidades pra tudo sair a contento.
Grão Especial – Vocês conseguiram os três fornecedores de cacau do sul da Bahia mas, e a torra do cacau, uma vez que no Brasil, não existe ainda um perfil de torra do cacau? Sei que em Curitiba tem o Léo Moço, que é parceiro de vocês e um exímio torrador de café. Conta um pouco essa experiência.
Bibiana Schneider – A questão da torra é o calo de quem começa a produzir chocolate Bean to Bar.É uma baita responsabilidade. Quando começamos, não havia equipamento profissional pra isso. Fazíamos num forno de convecção, que funciona. Hoje, temos um torrador profissional. O fato é que a gente continua aprendendo todos os dias sobre a tal da torra. Tem também a troca de experiências com o Léo Moço, com o Lucca Cafés, que são nossos amigos. E também com outros produtores. Os parâmetros de torra do cacau e do chocolate não são os mesmos, mas têm alguns paralelos. A Carolina fez um curso de torra com o consultor John Nanci, que também é fundador da Chocolate Alchemy (www.chocolatealchemy.com). Ela saiu enlouquecida do curso.
Grão Especial – Hoje em dia, onde vocês torram as amêndoas de cacau?
Bibiana Schneider – Torramos dentro do nosso atelier. Temos um torrador profissional de cacau. Fizemos também um curso de torra com a Arali Pedroso, professora da Castelli Escola de Chocolate (www.castelliescolachocolataria.com.br), onde aprendemos muito. Estamos desenvolvendo nossos perfis de torra, cada safra vem um pouco diferente.
Grão Especial – Atualmente, qual é o tamanho da produção da Cuori di Cacao?
Bibiana Schneider – Por volta de 350 kg por mês. Mas você sabe que no Brasil temos muita sazonalidade, com a Páscoa, Natal.
Grão Especial – Vocês vendem para o Brasil todo?
Bibiana Schneider – Vendemos mais para a região sul do Brasil. Temos nossa loja em Curitiba e diversos pontos de venda no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. E enviamos diretamente para o restante do país.
Grão Especial – Hoje, em São Paulo, vocês têm vários produtores de chocolates Bean to Bar, a associação está aqui, e a Cuori di Cacao quebrou várias resistências. Criaram um mercado próprio longe do eixo Rio-São Paulo e isso é admirável. Em algum momento sentiram uma resistência?
Bibiana Schneider – Olha que engraçado. Um tempo depois que o movimento Bean to Bar começou em São Paulo, hoje sou a vice-presidente da associação. Hoje temos uma relação muita bacana, quebramos uma serie de padrões eu brinco que somos corajosas ou sem noção! E isso é muito bom! Fizemos porque acreditávamos que tínhamos que fazer desse jeito. Mas até hoje a gente sente essa distância, essa dificuldade em se fazer notar. Os olhos, principalmente da mídia, ainda enxergam mais Rio e São Paulo. É muito difícil se fazer notar da mesma forma, valemos tanto quanto! É um esforço que a gente tem que fazer todos os dias. Sem marketing, não seríamos notados!
Grão Especial – Nessa época de coronavírus, como a pandemia afetou o negócio de vocês?
Bibiana Schneider – A maior parte da nossa produção da Páscoa, já estava totalmente produzida e embalada, quando a pandemia chegou por aqui. Mudamos a comunicação, decisões eram mudadas a todo o momento, mudou a nossa forma de trabalhar internamente. Mas, apesar de todas as dificuldades, fizemos uma ótima Páscoa, vendemos tudo, foi uma surpresa. Outra coisa: as pessoas têm se presenteado com momentos de prazer, clientes têm enviado muito mais presentes. Não estamos num mar de rosas, mas não podemos reclamar. Há um mercado novo para explorar. Há outros caminhos para se chegar. Há esperança!
Grão Especial – A cidade de Curitiba flexibilizou o isolamento e, depois, teve que voltar atrás e fechar novamente o comércio. Como estão trabalhando?
Bibiana Schneider – A gente está trabalhando com uma equipe reduzida, em dias alternados, mas têm vendido. Na loja, só entra um cliente por vez, em horário reduzido. Mas conseguimos fazer delivery também.
Grão Especial – E sobre o chocolate da Cuori di Cacao? O que você sugere para as pessoas descobrirem o chocolate de verdade? Qual é esse caminho?
Bibiana Schneider – Vou falar dos nossos chocolates premiados. Temos no portfolio, um chocolate que recebeu duas medalhas internacionais, sendo uma de ouro. É um chocolate 70% de cacau com castanha de caju e flor de sal. Temo amargor, uma leve acidez bem agradável, a crocância da castanha, dá uma brasilidade nessa combinação e um toque da flor de sal. Traz uma brincadeira bem legal na boca. É um dos nossos campeões de vendas.
Outro chocolate que recebeu um prêmio internacional, é o, chocolate ao leite com 38% de cacau. É um chocolate bem caramelizado, que leva chá mate tostado. O chá mate carameliza nesse processo, tem um toque de amargor, de adstringência, é muito surpreendente, e além disso tem uma história bem bonita. Para criarmos esse chocolate, tivemos como referência a casa da nossa avó. Toda tarde, tinha bolacha e chá mate com leite, era uma coisa muito pessoal que achávamos que as pessoas não iam entender muito, apesar de ser uma delícia. Mas as pessoas entendem sim. Tanto é verdade que recebeu medalha de prata no Academy of Chocolate, de Londres.
O nosso próprio chocolate ao leite faz muito sucesso, ele é caramelizado com melado de cana, é uma mistura é muito rica no paladar.
Grão Especial – O que compõe o chocolate da Cuori di Cacao?
Bibiana Schneider – No nosso chocolate vai apenas cacau e açúcar demerara orgânico. Nada mais. Vai leite apenas no chocolate ao leite.
Grão Especial – Explique para o público em geral como se reconhece um bom chocolate?
Bibiana Schneider – O consumidor precisa seguir algumas regrinhas para não ser enganado. A primeira coisa é ler a embalagem e checar a lista de ingredientes. O cacau tem que ser a estrela da receita, não pode ter adição de outras gorduras que não seja a manteiga de cacau e, também, não pode ter nenhum tipo de aromatizante. Quando abrimos a embalagem, é preciso sentir o cheiro do chocolate, sentir seu aroma. O nosso nariz é um ótimo equipamento sensorial.
Grão Especial – E o tal do barulhinho?
Bibiana Schneider – O snap também dá uma pista, a audição também entra na degustação. Quando se quebra um pedaço do chocolate tem que fazer tec. Isso quer dizer que está bem temperado e que sua textura também está adequada. E é preciso muito atenção na primeira mordida! É a principal, não pode se distrair, é preciso manter toda a atenção nessa hora. Com o chocolate na boca, primeiro vamos deixá-lo derreter. Vamos sentí-lo na língua, se tem uma textura final, homogênea. Depois, vamos observar a acidez, o amargor, as notas de frutas, especiarias, castanha.
É por isso que o mundo do chocolate Bean to Bar é tao rico! Compro chocolates de vários colegas que produzem. Quero impactos diferente na boca. De frutas exóticas, de brownie etc. E é sempre importante lembrar que chocolate não é um doce. Chocolate é Chocolate!