Espírito Cacau, empresa de chocolates Tree to Bar do Espírito Santo, começa a exportar seus chocolates para os países árabes, depois de conseguir a certificação Halal

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Próximo passo é receber a certificação de produtos kosher, para poder ser comercializado para a comunidade judaica.

Em 5 de novembro de 2015, Paulo Gonçalves, proprietário da marca de chocolates Tree to Bar, Espírito Cacau (espiritocacau.com.br), estava em Las Vegas, em reunião com executivos de duas grandes cadeias hoteleiras, Renaissence e Mariott, para fechar um acordo de fornecimento de chocolates para 20 mil leitos dos hotéis. O feito representaria um salto monumental em seu negócio familiar, que incluía duas fazendas de cacau, uma fábrica recém- montada de olho no mercado americano e cujos maquinários eram os mais modernos para a época, e uma loja-modelo recém-instalada em Vitória, com vistas para testar o modelo de franquia.

Mas o dia não terminou nada bem para Paulo que, apesar de ter conseguido fechar a parceria, instantes depois recebeu uma ligação do Brasil, avisando que a barragem de rejeitos da mineração denominada “Fundão”, controlada pela Samarco Mineração – empreendimento conjunto das maiores empresas de mineração do mundo, a brasileira Vale S.A e a anglo-australiana BHP Biliton -, havia se rompido.

Até hoje, o rompimento da barragem do Fundão é considerado o desastre industrial que causou o maior impacto ambiental da história brasileira e o maior do mundo envolvendo barragens de rejeitos.

Os rejeitos chegaram ao rio Doce, cuja bacia hidrográfica é utilizada por uma população de 230 municípios de Minas e do Espírito Santo. As duas fazendas da família, a Ceará e a São José, foram afetadas, seus cabos de irrigação recém-implantados foram comprometidos e milhares de pés de cacau recém-plantados morreram.

O acordo com os americanos teve que ser adiado, pois a fábrica também foi atingida e ficou sem condições de suprir a demanda dos hotéis. Depois da tragédia ambiental, os dois anos seguintes, 2016 e 2017, foram ainda mais desafiadores, com uma grave seca. O resultado foi uma queda da produção do cacau, de quatro mil sacas por ano para 400 sacas. “Foi, literalmente, um banho de lama em nossas vidas”, conta.

Voltar a crescer

Passados cinco anos, Paulo ainda não recebeu as indenizações cabíveis, mas está conseguindo dar a volta por cima, e os negócios voltaram a crescer, principalmente graças a um acordo comercial para exportar seus chocolates para os Emirados Árabes Unidos e, pasmem, à pandemia. “De março até agora, nossas vendas no mercado interno cresceram 100%, já que os consumidores estão mais preocupados com a qualidade dos produtos que consomem”, argumenta.

Além das vendas online, as grandes redes de supermercado também estão atentas a essas mudanças, e segundo o empresário, o chocolate Bean to Bar ou o Tree to Bar, no caso da Espírito Cacau, são a nova aposta das redes de varejo: “nossos produtos já são vendidos no Pão de Açúcar, Natural da Terra (SP), Empório Santa Luzia, Zafari (RS), e em outras redes em Belo Horizonte, Vitória, Goiânia, Brasilia, entre outras”, conta.

De olho nesse nicho de comidas mais naturais e veganas, a empresa está lançando barras 100% naturais e isentas de glúten e lactose, cujas receitas levam leite de coco.

Elaborada com cacau de origem, uma das novidades é o Chocolate ao Leite de Coco 42% Cacau, onde o sabor intenso do chocolate da marca ganha uma textura mais cremosa e os benefícios do leite de coco.
Já o outro lançamento, o Chocolate Branco ao Leite de Coco 33% Cacau, é feito com manteiga de cacau. As novas barras são elaboradas com massa e manteiga de cacau, açúcar demerara orgânico e lecitina de girassol, sendo 100% naturais, isentas de glúten, lactose e conservantes.
“Não utilizamos aromatizantes nem produtos químicos para melhorar o nosso chocolate. Usamos somente nossa massa e manteiga para preservar o terroir do Espírito Santo, que vem produzindo os melhores cacaus do país”, acrescenta.

Uma outra parte do parque fabril instalado se dedica a produzir chocolate industrial de alta qualidade, sob a marca Chocolate Capixaba, vendido em caixas de 12 barras de um quilo. “Esses chocolates são reprocessados por outras indústrias do ramo alimentício. Como o aumento do consumo de chocolates, essa produção foi extremamente importante para a minha retomada. Graças a ela consegui me reerguer sem o dinheiro das indenizações que até agora não chegaram,” explica.

Mercado externo

Como Paulo acredita que tudo na vida tem um propósito, ele lembra com orgulho que estava em Cingapura em 2016 para dar uma palestra sobre cacau de origem para os compradores da Delfi Cacau (vendida para a Barry Callebaut em 2015), a convite do Ministério das Relações Exteriores e da Apex. Ao final de sua apresentação, uma pessoa se apresentou pedindo que fosse até Abu Dhabi para conversar com um sheik local, proprietário de uma fábrica de chocolate. A conversa fluiu e, passado algum tempo, fizeram o primeiro pedido, de um container, mas que a fábrica não tinha condições de atender. Fecharam em um pallet, que seguiu por avião. O cliente gostou, fez um novo pedido, mas agora, com um contrato de exclusividade de distribuição para todas as sete municipalidades dos Emirados, com a condição de que o produto tivesse a certificação Halal, e que a embalagem fosse em árabe e inglês.

“Demoramos dois meses para nos adequar, contratamos uma certificadora, fizemos toda a análise dos nossos produtos, recebemos a visita de um sheik na fábrica para atestar que os produtos seguem todos os preceitos e alteramos nossas embalagens. Estamos muito felizes com essa conquista e, agora, estamos trabalhando para conseguir a certificação kosher, judaica”, conta.

As fazendas

A produção de cacau na família começou com seu bisavô materno, na Bahia, no município de Belmonte, no Vale do Jequitinhonha, no século XIX. Paulo conta que seu antepassado foi um dos pioneiros do cacau. Entre 1910 e 1930, o governo do Espírito Santo passou a incentivar a vinda de produtores de cacau para o estado e seu avô, que era topógrafo de formação, veio ajudar a dividir as áreas destinadas para a plantação da cultura e a trazer mão de obra especializada. Ele mesmo se interessou, ficou com algumas áreas, porém, pegou malária e faleceu. Sua esposa e seus quatro filhos permaneceram no Espírito Santo. Um deles, o pai de Paulo, foi para o Rio de Janeiro estudar e, quando voltou, comprou outras fazendas, investiu no transporte de cacau em canoas, chegando a ter uma frota de 36 delas. Passou a comprar e vender cacau, foi crescendo, investiu numa fábrica de chocolate chamada Vitória, que foi vendida em 1981.

Nessa época, Paulo foi estudar nos EUA e, na volta, foi trabalhar no Centro de Pesquisa do Cacau. Voltou pra iniciativa privada, se aprofundou no negócio do chocolate e decidiu investir todo o seu tempo nesse universo.

Paulo Gonçalves: “o Espírito Santo é conhecido por ter um excelente terroir, com um microclima maravilhoso para o cacau. Na região, temos 264 lagoas, o que explica a umidade relativa do ar ser grande. Aliado a um solo muito rico, cheio de potássio, faz com que as frutas da região sejam muito saborosas e doces”.

“Em 2001, já vinha pensado em outro tipo de negócio, utilizando chocolate natural, sem conservantes, como os astecas e maias faziam”.

Hoje, possui duas fazendas, a São José e a Ceará que, juntas, possuem 317 hectares, com 317 mil plantas de cacau. No começo, as roças formadas eram de cacau forasteiro, cujas sementes vieram da Bahia. Em 2000, fizeram uma renovação plantando trinitários, um cruzamento entre o cacau criolo e o forasteiro, mais produtivos, mais tolerantes à seca e à praga da vassoura de bruxa.

É bom lembrar que o Espírito Santo é o terceiro maior produtor de cacau do país e, segundo Gonçalves, sempre se preocupou com um manejo tecnicamente evoluído. “Foi o primeiro estado a utilizar a irrigação nas lavouras de cacau, de preconizar o manejo de poda de maneira correta, e isso fez com que a produtividade do estado sempre fosse alta. “E você sabe, né? Produtividade é tudo, faz a gente conseguir pagar a conta”, afirma.

“Já tivemos 36 famílias nas fazendas, com moradia, água tratada, ônibus para as crianças irem para as escolas e faculdades da região. “Infelizmente, hoje, depois do rompimento da barragem, muitos trabalhadores preferiram ir embora da região. Mão de obra, hoje, é uma dificuldade. Estamos com apenas a metade dos trabalhadores”, diz

Cerca 80% da produção de cacau de suas propriedades é de cacau especial, que Paulo utiliza para a produção da marca Espírito Cacau. E os 20% restantes, que é de cacau tipo 1, commoditie, vende para a grande indústria. “Vendo esse cacau ainda com um preço competitivo e, se por acaso, precisar comprar massa de cacau bulk, consigo comprar mais barato do que usar o meu cacau”, confidencia.

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