Escrito pelo americano de nascimento e colombiano de coração, Karl Wienhold, o livro lança por terra verdades absolutas dentro da cadeia do café verde
Lançado em abril, nos EUA, pela Roast Magazine (e ainda sem tradução para o português), o livro Cheap Coffee Book – Behind the Curtains of the Global Coffee Trade -, é resultado de um trabalho sério de pesquisa acadêmica sobre todos os elos da cadeia e decifra de maneira simples e fluente, qual a responsabilidade de cada um na manutenção do status quo tão desigual da cadeia do café, seja consumidor, produtor, torrefador, barista, dono de cafeteria, redes varejistas, traders, intermediários, acionistas das grandes empresas do setor etc.
“Se quisermos perpetuar a produção de café ao redor do mundo será necessário termos uma discussão adulta sobre o tema. Não há mocinhos nem bandidos como as pessoas geralmente pensam”, diz Karl.
Leia abaixo a entrevista exclusiva que fizemos com o autor, Karl Wienhold.
Grão Especial – Você é americano de nascimento, mas se considera um colombiano de coração, certo?
Karl Wienholf – Sim, nasci no estado do Maryland nos EUA. Mas estou fora de lá quase toda a minha vida adulta. Terminei a faculdade de economia e, em seguida, fui para o Brasil fazer um MBA em Business na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde morei por nove meses. Depois, fui para a Colômbia e me apaixonei pelo país.
Grão Especial – E foi no Brasil que o café entrou na sua vida?
Karl Wienholf – Sim. Eu tinha amigo na UFRJ, mineiro, e que me levou para conhecer sua fazenda no sul de Minas. Depois, fiz algumas consultorias em Betim, em alguns países da Europa, da Ásia, da América Central.
Grão Especial – e na Colômbia?
Karl Wienholf – Na Colômbia, fazia projetos de desenvolvimento rural para ajudar as populações indígenas do interior do país, estudando toda a cadeia de valor. Estudei café, frutas, comidas típicas, de pequenos produtores e de como introduzir esses produtos em países ricos.
Grão Especial – E você também trabalhou para o outro lado também?
Karl Wienholf – Sim, trabalhei para grandes players, para Fundações, para o Governo.
Grão Especial – Quando você mudou sua visão de mundo?
Karl Wienholf – Em 2014, comecei a ajudar pequenos produtores de café, fui morar em Bogotá, depois fui para Pereira, região cheia de pequenas propriedades produtoras de cafés especiais, distante umas 10 horas de carro de Bogotá. Lá, constitui uma empresa chamada Cedro Alto, onde participam cerca de 250 pequenos produtores de café especial. O objetivo é de exportarmos juntos esses cafés.
Grão Especial – O que exatamente você faz pela vida desses produtores?
Karl Wienholf – Eles têm que vender esses cafés para intermediários, para multinacionais, a preço de mercado. Na Colômbia, quase não existe incentivos do Governo para se produzir um café de melhor qualidade. No comércio direto, o produtor pode exportar para um torrefador Mas para os pequenos, é impossível. Criei o Cedro Alto, grupo coletivo para que os pequenos possam ter a mesma oportunidade de exportar diretamente para os torrefadores, a preços mais altos do que o mercado e constantes.
Grão Especial – Todos esses 250 produtores produzem café especial?
Karl Wienholf – Sim, todos!
Grão Especial – O que mudou na vida desses produtores desde que você criou a Cedro Alto, há cerca de sete anos?
Karl Wienholf – Eles têm menos preocupação. Normalmente, eles têm que pagar muitas coisas, investir, sem saber o preço de venda e isso é um stress. Com a gente, eles não têm essa preocupação, já temos compradores estabelecidos nos EUA e na Austrália, que asseguram aos produtores um preço mais alto e constante.
Grão Especial – Você diria qua a vida particular desses 250 produtores colombianos melhorou?
Karl Wienholf – Acho que sim. Agora, eles têm banheiro, cama, animais domésticos, coisas que antes não podiam ter. A verdade é que muitos deles não são bons em economia familiar, de como manejar seu dinheiro, mas isso já não é meu trabalho.
Grão Especial – Toda essa experiência ajudou na elaboração de seu livro?
Karl Wienholf – Não muito. No meu livro trato de temas mundiais da cadeia de valor do café verde. Do trabalho de todos os elos, sobre o que faz um exportador, um produtor, um atravessador, um varejista. Para que todos entendam melhor o trabalho dos outros, a economia dessa imensa cadeia. E que sejam mais empáticos uns com os outros. Todos têm uma missão a cumprir!
Grão Especial – Qual é o público do seu livro?
Karl Wienholf – Esse livro foi escrito pensando em todas as pessoas que trabalham na cadeia do café. Governos, exportadores, importadores, cafeicultores, é muito amplo, para que todos possam entender como é o trabalho dos demais. Para se construir mais empatia. Quando eu falo em separado com esses públicos, falamos dos grandes problemas da cadeia. Porém, percebo que, na realidade, falamos apenas dos grandes sintomas. Mas os problemas não são solucionados. E se você pergunta de quem é a culpa, minha resposta é que não há um culpado único. Somos todos parte do problema. E é disso que se trata meu livro: como as coisas funcionam atrás das cortinas.
Grão Especial – Na sua opinião, existe algum aspecto mais importante que é destacado no livro?
Karl Wienholf – Este não é um livro tradicional, é muito mais no estilo de uma enciclopédia, trato de inúmeros assuntos. Os temas foram selecionados porque ao longo de sete anos conversando com os diferentes elos da cadeia, percebi que havia uma grande incompreensão sobre o trabalho das outras partes envolvidas. Porque é certo que precisamos mudar a realidade. Mas o quê realmente precisa mudar? E se a gente ficar só reclamando, não sobra tempo para resolvermos as questões. E se as pessoas ficarem apenas culpando os outros elos da cadeia como os únicos responsáveis pelas distorções econômicas desse mercado, nada será resolvido.
Grão Especial – Quanto tempo você levou para escrever o livro?
Karl Wienholf – Levei pouco mais três anos. Dois anos passei pesquisando, lendo cinco mil páginas de pesquisas científicas, tentando manter minhas crenças fora dessa equação para poder traduzir os tópicos num livro acessível. Depois, mais seis meses escrevendo e um ano para publicá-lo.
O mais importante no livro é o leitor entender que há muito mais nuances nesse mercado do que o público tende a acreditar. Não existem mocinhos nem bandidos. Não tem preto no branco! E conhecendo o mercado além dos estereótipos, é importante para que o próprio consumidor se perguntar como consumir melhor.
Há uma crença geral de que os produtores de café são boas pessoas, estão sendo abusados e precisam ser salvos, porque afinal, são pessoas pobres. E eu, como sou uma ótima pessoa, vou salvá-la, pelo simples fato de pagar um dólar a mais por seu café. Infelizmente, não é assim tão simples. Nem todos os fazendeiros são boas pessoas, existem boas e más pessoas, mas eles também não precisam usar suas roupas velhas. Eu penso que esses equívocos são distrações, que não nos deixam resolver o que realmente precisa ser resolvido.
Grão Especial – Explique um pouco sobre o tópico de valores simbólicos e valores reais que está no livro.
Karl Wienholf – Penso que esse talvez seja um dos capítulos do livro mais controversos. Imagine a situação: um café de determinado pequeno produtor chega no torrefador. Alguém disse que é preciso colocar uma embalagem com a cara do produtor e contar uma história bem triste pra vender melhor. Aliás, quanto mais triste, melhor. E isso é manipulação pura! É só mercado, não é a realidade! Uma vez, trabalhamos com uma produtora que era mãe solteira. Seu café era muito bom, mas não melhor do que os demais. Foi o que vendeu mais rápido. Sabe por quê? Porque contaram uma história muito triste sobre a sua vida. O consumidor adora isso. Mas não é verdadeiro. É manipulação, entende? Um outro pequeno produtor da Colômbia tinha um café muito bom. Mas ele tinha mulher, filhos, não era viciado em drogas, ou seja, sem grandes desgraças ou catástrofes ao longo de sua trajetória. E o consumidor não se sensibilizou o suficiente para comprar seus pacotinhos de café.
Quer outro exemplo de mistificação? As pessoas compram um Gueixa do Panamá, de 87 pontos da escala da SCA e pagam mais do que um microlote Caturra, da Colômbia, com pontuação equivalente ou superior. O que isso demostra? Que o mercado é totalmente irracional. Que somos mais influenciados por valores simbólicos do que por valores materiais. Não faz o menor sentido. E quando as pessoas se dão conta, percebem a falta de senso e se sentem constrangidas.
Grão Especial – Ou seja, é muito mais fácil escolher um lado da história.
Karl Wienhold – Exatamente! É mais fácil escolher um lado da história. Porém, temos algumas regras em nossas cabeças. Mas cada um é diferente e é preciso pensar acerca dos tópicos muito mais profundamente. Sob o risco desse mercado se tornar ainda mais injusto.
Grão Especial – Como você vê o mercado de cafés nos próximos 10 anos?
Karl Wienhold – Não tratei disso no meu livro. Mas me preocupa sobremaneira a concentração na cadeia do café. É preocupante porque afeta o poder de barganha do produtor. Nesse mercado, todos são substituíveis, até os países que hoje detém as maiores produções do mundo como o Brasil e o Vietnã. As grandes mudanças climáticas também podem afetar a cadeia de forma irreversível nos próximos 20, 30 anos.
Livro: Cheap Coffee Book – A look behind the curtain of the Global Coffee Trade
Autor: Karl Wienhold
Páginas: 248
Preço: U$ 14, 95 em papel e U$ 9,95 no formato digital
Editora: www.roastmagazine.com