A marca Luisa Abram só produz chocolates a partir do cacau selvagem da Amazônia, e vem atraindo a atenção dos chocólatras mais exigentes
A chocolatier Luisa Abram apesar da pouca idade, apenas 26 anos, já conquistou, sem dúvida, muito respeito no mundo dos chocolates bean to bar. Sempre muito determinada, quando resolveu que queria trabalhar com chocolate, em 2014, iniciou uma longa jornada até a Amazônia atrás do cacau selvagem…
Entretanto, determinação nunca lhe faltou. Por vários anos, Luisa achava que seu caminho profissional seria a medicina e então, para se preparar para o vestibular, frequentou um dos melhores cursinhos da cidade. Desistiu da profissão mas, com uma excelente bagagem, conseguiu passar em diversos outros cursos: odontologia no Rio, engenharia de alimentos em Viçosa e por aí vai.
De medicina à gastronomia
Já estava com a passagem comprada para Minas quando mudou novamente de opinião: pegou “emprestado” uma grana da carteira do pai pra fazer a inscrição no vestibular de gastronomia da Anhembi-Morumbi, e não contou nada pra ninguém.
Foi aprovada e, de início, os pais não gostaram da ideia. Mas, como era um curso de apenas dois anos, concordaram. Luisa achava que no final do período, iria para a Itália e para a França, para aprender a arte da pâtisserie, se aprimorar nos pães, etc.
Mas quando chegou no último ano da faculdade, achou que a pâtisserie não era seu caminho e, então, por meio de seu professor e chef de cozinha, André Fontes, descobriu a imensidão dos ingredientes brasileiros. Se apaixonou totalmente e mudou de rumo.
Jornada até a Amazônia
“Nossa biodiversidade é gigantesca e, no entanto, continuamos procurando técnicas e ingredientes lá de fora. É um total desperdício”, diz. Como já tinha por objetivo de vida conhecer a Amazônia, acabou convencendo seu pai, um investidor do mercado financeiro, a ir com ela até lá, em 2014, no último semestre da faculdade. “Estava indo encontrar o pessoal da Cooperar, cooperativa local de produtores de cacau selvagem. Eu não sabia o que eu ia encontrar, não tinha com quem trocar ideias e foi a primeira vez que vi um cacaueiro na minha vida”, relembra. Então, descobriu que o cacau é nativo da Amazônia e percebeu que seu negócio tinha que agregar sustentabilidade ambiental e social para a região e seus produtores. “Isso era o DNA do meu negócio”, conta.
Voltou de lá com 20 kg de cacau na mala, sem nenhum equipamento pra produzir o chocolate, além de um forno que havia adquirido um pouco antes pra fazer macarrons e pães. Foi nessa época que surgiu a menor fábrica de chocolates do mundo, um quartinho na casa dos pais, no Brooklin, onde começou a produzir e cujos equipamentos foram todos criados ou adaptados por seu pai, André Banks, engenheiro de formação. Que aliás, continua tendo importância vital para os negócios prosperarem, já que é ele quem organiza o estoque de cacau, faz as negociações com as comunidades, é fotógrafo oficial das viagens e muito mais.
Cacau Selvagem
Atualmente, Luiza compra cacau selvagem de quatro comunidades, Purus, Acará, Jari e Puruá e produz oito tipos de chocolates bean to bar. Cada uma das comunidades ela descobriu pesquisando, falando com as pessoas e indo até as distantes localidades. “Para se ter uma ideia da distância e da dificuldade, para se chegar na comunidade do Jari é preciso sair do barco 19 vezes, pois atravessamos 19 cachoeiras,” explica.
Ano passado, fechou um acordo com o Pão de Açúcar para vender seus bean-to-bar em 80 lojas, o que fez sua produção aumentar 40%.
As comunidades ribeirinhas da Amazônia
O cacau que Luisa busca está onde a natureza o fez surgir, crescendo à sombra de outras árvores centenárias. Esse cacau não é plantado ou cultivado de forma planejada pela atuação do homem. É fruto da ação da natureza. As comunidades ribeirinhas da Amazônia vivem do que a floresta fornece. E têm um papel primordial para sua preservação assim como o cacau.
Contudo, uma das partes mais importantes do trabalho de Luiza é ensinar as comunidades a melhorar o manejo, todo um processo que passa por uma colheita cuidadosa, o selecionamento dos frutos à fermentação das amêndoas e o ensaque correto. “Dessa forma, todos os envolvidos recebem mais pelo cacau fino do que se estivessem produzindo cacau commoditie. Quando comecei, muitas dessas comunidades não sabiam trabalhar o processo de fermentação. E nem eu”, lembra.
Para resolver essa questão, assim que começou a visitar cada uma das comunidades, contratou o consultor americano de grandes empresas de chocolate, Daniel O’Doherty, da Cacao Services, que visitou as comunidades de Juruá e Purus. Biólogo de formação, Daniel veio ao Brasil para fazer o pós-colheita. Ele é muito conhecido no mundo do cacau fino, mas nunca tinha trabalhado com cacau selvagem, apesar de já ter fermentado a fruta em mais de 20 países.
“Aprendemos muito com ele, que só topou vir ao Brasil porque eu estava acompanhando e falava o português. De outra forma, ele não conseguiria passar seu conhecimento para as comunidades”, conta. Hoje, ele continua vindo ao Brasil esporadicamente, sem cobrar, porque se encantou com a proposta de Luisa.
“Daniel é um apaixonado por chocolates, mora no Havaí, tem um pedaço de terra lá e planta cacau. Ainda está tentando produzir chocolate”, sorri.
Nova embalagem
Recentemente, mudou a embalagem de seus chocolates bean-to-bar, que passaram a conter duas barras de 80 gramas, e textos explicativos em inglês e português, já que 30% de sua produção de 2 a 2,5 toneladas é exportada para os EUA, Canadá, França, Nova Zelândia e Austrália. “Temos uma joint-venture com Mark Christian, crítico de chocolate e dono do site C- spot, o maior atlas de barras e fabricantes de chocolates da internet. Ele nos conectou com o maior distribuidor bean-to-bar dos EUA e dessa forma, estamos vendendo para lá”, explica.
Já a Europa, apesar de venderem para a Inglaterra desde 2015, para o clube de chocolate Cocoa Runners, Luisa conta que é um mercado muito mais difícil de entrar e praticamente não existe a cultura bean-to-bar. “O europeu tem um gosto particular, eles apreciam um chocolate com mais manteiga de cacau. E eu não uso, só utilizo as amêndoas de cacau e açúcar orgânico”, explica.
Novas origens e produtos
Em breve, vai lançar o chocolate feito com cacau selvagem do Juruá, sempre a 70% e 81%, de cacau da comunidade Novo Horizonte. E, até o final desse ano, para o Natal, irá lançar uma caixa de trufas recheadas com frutas da Amazônia. “Provavelmente, as frutas virão do Pará e serão o cupuaçu, bacuri, taperebá (cajá) e a polpa de cacau. “Irei agora em setembro pra lá, pego as frutas e as trago pra São Paulo embaladas em garrafas pet e as congelo. É uma maneira desse lixo sair da floresta”, conta Luisa.
A princípio, para o segundo semestre de 2019, pretende lançar uma nova origem, a Oiapoque, de cacau selvagem caciporé, natural do Brasil, da espécie Forasteiro. Esse é o cacau mais plantado no mundo e, como o perfil sensorial não é muito exótico, será então uma oportunidade para a marca Luisa Abram atingir novos mercados, mais abrangentes. “Além disso, as pesquisas genéticas mostraram que esse cacau é de uma família super pura, sem enxertos. Provalmente, estamos muito perto de onde surgiu o amenolado, uma subfamília do forasteiro”, finaliza.
Onde encontrar
Hoje, no Brasil, os chocolates Luisa Abram são vendidos em seu site: www.luisaabram.com.br ou em 80 lojas do Pão de Açucar (www.paodeacucar.com.br), Santa Luzia (www.santaluzia.co.br), San Marché (www.marche.com.br), Eataly (www.eataly.com.br) entre outros.