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Mariano Martins e Fabíola Filinto, da Martins Café | Grão Especial

Mariano Martins, o guru brasileiro da fermentação e Fabíola Filinto, expert em biotecnologia, dão vida a uma das mais profícuas empresas de café especial do Brasil, a Martins Café

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Métodos do passado readequados para os novos tempos, levaram a dupla a serem reconhecidos como uns dos maiores especialistas na fermentação dos cafés especiais

Todo Merlin tem sua Morgana. E vice versa, feministas de plantão! Falar do Mariano Martins é contar também a trajetória de sua companheira, Fabíola Filinto. Afinal, como ela  mesma diz: “são 15 anos tentando garantir que as loucuras que o Mariano promete sejam entregues”. E Mariano complementa: “ o que dá mais certo no nosso relacionamento é que eu prometo, e ela, entrega”.

Então, vamos lá. Senta que lá vem história. E das longas! Essa matéria vai ser assim, um pouco caótica. Um começa uma frase e, o outro, termina. Com pontos de vista diversos. Mas que se complementam.

Martins Café

(Fabíola Filinto e Mariano Martins em mais um Show do Mari e Fabí, termo usado pelos dois)

Como tudo começou

Tudo começou, na verdade, com a família do Mariano, que veio de Portugal direto para Barra do Piraí, no Rio de Janeiro, por volta de 1820. Seu tataravô, seu Vitoriano era carpinteiro e começou a plantar café. Casou com Margarida Cândido de Jesus, que dá nome à propriedade da Martins Café (www.martinscafe.com), a fazenda Margarida.

Se mudaram para o interior de São Paulo e seu filho, João Batista, se estabeleceu em São Manuel, no interior, comprou umas terras e começou a construir a sede da fazenda.

Seu avô, Victor de Almeida Jr. , se formou em agronomia em 1929 e, além de tocar a fazenda, foi trabalhar no Instituto Agronômico de Campinas, na unidade de Jaú, onde permaneceu por 30 anos. Era um apaixonado por cafés e, antes de tudo, um conservacionista. Já na década de 40, estudava sobre o controle biológico de pragas, numa época em que usar veneno era considerado algo moderno.

Seu pai, Milton Alberto Alfany Monteiro, a bem da verdade, nunca teve muito amor à agricultura e odiava a fazenda. Se formou em engenharia civil, tocou a fazenda por muito anos e nunca quis que seu filho se envolvesse com os negócios agrícolas.  

Mas, infelizmente, deixou a fazenda muito endividada. Mariano veio pra São Paulo e se formou em administração na Fundação Getúlio Vargas. Foi lá que conheceu a Fabíola que, com 16 anos, como não sabia qual profissão seguir, resolver fazer vestibular para várias: medicina na USP, veterinária na Unicamp, administração na GV, direito na PUC e cinema na FAAP (todas universidades de ponta no Brasil) Resultado: passou em todas. Chato, né??

O começo do namoro

Lá começaram a namorar em 2002 e conheceram a terceira sócia do Martins Café, Maíra Lopes que, atualmente, mora na Suécia e vendeu sua parte para o casal. A família da Fabíola, por parte de mãe, também trabalhava com café, há cem anos, na região de Jaú, interior de São Paulo. Mas abandonaram para trabalhar na construção civil, na capital.

Depois de formado, um dia, quando estava trabalhando na mesa de derivativos do Unibanco, seu pai ligou e falou na lata: “Filho, estou devendo três anos de produção. Ou seja, estamos basicamente, quebrados. Vou vender a fazenda”.

Martins Café

(Plantações de café da Fazenda Margarida: Quem a vê hoje não consegue imaginar os problemas que ela passou!)

Mariano se desesperou. Pediu demissão e foi direto trabalhar na fazenda. Isso era 2006.  Quando chegou, constatou que a propriedade estava com uma série de problemas, entre eles, baixa produtividade. “A aparência da lavoura era linda, só que repleta de agrotóxicos”, conta Mariano. A primeira coisa que fez foi tentar mudar o manejo. Assim que cheguei, vi realmente que as contas não fechavam. “Em 2007, 2008, pra piorar a situação, peguei um ano que só choveu, tivemos 100% da produção de café riado. Só consegui metade do preço que eu esperava”, fala lembrando do desespero.

Nesse meio tempo, Fabíola, por sua vez, que sempre trabalhou no mundo corporativo, em grandes consultorias, estava na McKinsey , no México, tocando um projeto importante. Mariano ligou pra companheira e contou que estava embaixo de chuva há três meses, sem dinheiro pra pagar as contas e com uma dívida que só crescia. Além do mais, o terreiro de café estava fedendo à cebola, devido à fermentação.

Uma luz no fim do túnel

Além do suporte financeiro e psicológico, Mariano, encontrou mais uma coisa na Fabíola: inteligência. Um dia, ainda no México Fabi experimentou um café colombiano e adorou. Descobriu que era de uma região colombiana que chovia muito, Huila. O casal descobriu que o climograma do vilarejo era muito similar ao de São Manuel e que lá, produziam um café que alcançava preços muito acima do brasileiro.

Antes de ver in loco essa experiência, Mariano começou a rentabilizar a fazenda. Vendeu umas florestas de eucalipto que renderam um bom dinheiro, começaram a vender alguns maquinários e de se desfazer de tudo que não envolvia o café. Naquele ano conseguiu se virar, mas também teve que aumentar seu endividamento. E já tinha se planejado: se no próximo ano a fazenda continuasse nessa situação, ia desistir da plantação.


Na Colômbia

Não demorou e Mariano embarcou para a Colômbia. Queria descobrir o que eles estavam fazendo certo por lá e tentar reproduzir na fazenda. Trouxe os procedimentos para cá. “Estávamos copiando o que eles faziam, mas sem saber bem o porquê. No ano seguinte, já consegui um café bem melhor. Lembro que levei os grãos para o Gonzaga, da Cooperativa de café São Manuel, CAFENOEL, e perguntei o que ele tinha achado”, relembra.

Gonzaga achou que o café tinha uma aparência linda, mas que alguma coisa estava errada nele. “Errada de um jeito ruim, porque o café não estava dentro de um padrão”, conta Mariano.

Lembra que, naquele ano, 2009, não conseguiu achar compradores para esse café. ”Bati em todos os lugares procurando algum comprador até chegar na porta da Isabela Raposeiras (de novo, ela). Apesar de ser uma referência, é uma das pessoas mais generosas que eu conheço, sempre compartilhando seus conhecimentos com todos os que a procuram”, reverencia Martins.

Martins mostrou o café para a Raposeiras e perguntou a ela o que tinha de errado. Isabela respondeu que não sabia, que o café era bom e que continuasse fazendo daquele jeito. Ainda meio desesperado, contou que não havia conseguido vender seu café para ninguém. Gentilmente, a expert lhe deu um contato de Nova York, dizendo para ele ligar e enviar uma amostra que ele iria comprar todo o café. O comprador realmente ficou com seu café e ainda indicou várias outras pessoas. Uma dessas cafeterias, inclusive, acabou não fazendo negócio porque achava que o café era colombiano e que Martins estava mentindo, já que o endereço do remetente era do México, pois Fabi ainda estava por lá era a responsável pelos contatos: “can’t be Brazilian specialty coffee. Tastes like Colombian”!!!

Mariano insistiu com o comprador para saber porque ele considerava aquele um produto colombiano. O comprador falou sobre a acidez e a suavidade do café. “Nossa, aquilo foi louco. Foi a primeira vez que pensamos sobre a acidez do café. Nosso conceito de qualidade de café era não ter defeito, já que fui treinado em COB (Classificação Oficial Brasileira), que é de 1900. Lá, o melhor café é sem defeito, com gosto de café. Agora, defina o que é gosto de café ?”, pondera.

“Nesse momento, começamos a pensar que a gente tinha que entender o café que a gente produzia. Eu não sabia torrar meu café, levava lá para a cooperativa. Começamos a fazer cursos com a Isabela Raposeiras, no Coffee Lab, no Centro de Preparação do Café (CPC), e a Fabíola embarcou para os EUA para trabalhar e fazer o curso de Q Grader”, relembra Mariano.

Volta ao passado

Mariano nos conta que o café processado no Brasil por volta da década de 30, utilizava muito os tanques de fermentação. ”Basicamente, era o padrão”, conta. Quando os produtores passaram a prezar pela quantidade ao invés da qualidade, a Colômbia, sabiamente, ficou com essa demanda de café diferenciado.

(Os tanques de fermentação da Fazenda Margarida, técnica popular no Brasil na época de 30 que a Martins Café reutilizou)

“Com esses tanques de fermentação nós apenas estamos retomando uma tradição que era brasileira. Estamos fazendo a mesma coisa de antigamente, só que com novos parâmetros. Empregamos  químicos, biólogos e biologistas. Nosso biólogo, Caio Hilário, é microbiologista e estuda nossa lavoura. Também trabalhamos com oito fazendas no entorno da nossa região, ajudando na colheita e fazenda a torra”, explica.

Compraram um torrador pequeno, de 200 gramas, e começaram as experiências de torra. Mandavam para os amigos provarem e dizerem o que achavam. Esses amigos trouxeram outros amigos, alguns proprietários de restaurantes, e aí a história começou a mudar.

Criaram a marca Martins Café, principalmente porque achavam que precisavam fazer muitas coisas além da fazenda. Mariano sonhava em ser um grande produtor de café da região. Fabíola sempre achou que era preciso ter uma operação além da produção de cafés especiais, já que, por ser uma produção pequena, só conseguiriam fechar no azul se conseguissem se diferenciar.  “Nos cafés especiais, ganhar na diferenciação é criar a diferenciação,” explica Fabíola.

“Um dos primeiros livros que li sobre o assunto dizia que o café é tão complexo quanto o vinho. Se ninguém estava capturando isso, se ninguém estava explicado isso para o consumidor, então, estávamos desperdiçando essa oportunidade. Então, convenci o Mariano a montarmos uma pequena indústria de café. No começo, a torrefação não era para venda, era para entendermos o nosso produto. Começamos na torrefação para aprender e para enviar para os EUA, já que eles já viviam a terceira onda.  Nossa sócia, na época, Maíra, falou que, como já estávamos juntando esse conhecimento, poderíamos montar uma marca. Ela entendia de branding e disse  que saberia montar uma marca se soubéssemos montar a indústria. E foi assim que nasceu a Martins, nessa coisa de juntar lados diferentes de conhecimento”, conta Fabíola.

“Quando entramos com a marca, estávamos trabalhando com cafés de pontuação de 70 pontos. Achávamos que o nosso café ia ser gourmet. Mas, conforme o Mariano ia trabalhando com a fermentação, a pontuação mudava semanalmente. Na época, não sabíamos pontuar, levávamos para o sindicato. Até que um dia, o café pontuou 80. Isso foi o começo da nossa produção de cafés especiais’, relembra  Fabíola.

Todo esse processo começou no final de 2008 e durou três anos. Nesse tempo, viveram da poupança da Fabíola. Mas já em 2011, tiveram uma safra muito boa e conseguiram exportar 70% dos cafés.

O primeiro comprador fora do Brasil foi o Guillermo Morán, de El Salvador, proprietário de uma torrefação na Califórnia e fornecedor de cafés para a sede da Apple, mas ainda não era um café especial.

“Os primeiros lotes de café especial que vendemos foi para a Chromatic Roasters, dos EUA. Foi a primeira vez que vimos uma avaliação do nosso café  feita por um comprador. Em 2013, avaliaram nosso café com uma pontuação de 93”, relembram.

Na sequência, tiveram boas safras e conseguiram pagar grande parte da dívida que contraíram. O fluxo de produção da fazenda estava melhorando, mas só ser uma fazenda referência em um universo tão grande como o do café especial não era suficiente pra eles. “Pensamos em participar dos concursos de café para compartilhar nossos conhecimentos, já que uma andorinha só não faz verão. Porém,  percebemos que o nosso café fermentado caminhava fora do circuito. Só existiam cafés doces, achocolatados. Nosso café era entendido pelas pessoas de fora, mas não pelos brasileiros na época”, conta Fabi.

“Naquele ano assumimos que iríamos montar uma torrefação com o nosso perfil para ser vendido para o mercado interno. Como a gente só entendia de fazenda e nada de empreendedorismo, decidimos que um de nós iria ter que fazer um MBA. Acabei perdendo uma aposta e lá fui eu novamente para fora, dessa vez para os EUA, cursar Harvard, por dois anos”, lembra.

Martins Café

(Parte da equipe da Martins Café: o casal Mariano Martins & Fabíola Filinto e o biólogo Caio Hilário)

“Nesse momento, a terceira onda nos EUA estava começando, assim como a Nespresso. Trouxemos um linguajar americano para nossos compradores, explicando o que era acidez, amargor, doçura“, relembra Fabíola.

“O mais interessante foi que os primeiros a abraçar essa ideia não eram profissionais do café, mas sim, da gastronomia, já que estes últimos já tinham um repertório. Já pensavam no sabor do café combinando com os pratos do restaurante”, diz.

Mariano intervém: “esse nosso conhecimento juntamente com o trabalho da BSCA (Brazilian Specialty Coffee Association) e da FAF( Fazenda Ambiental Fortaleza), possibilitou trazer novos perfis de sabores para as rodas de café da SCAA, que antes eram muito limitadas aos cafés da Colômbia e alguns países da  África. As notas dos nossos cafés não apareciam. Se antes eram eles que difundiam essas informações, passou a ser o contrário”, conta.

Em 2013, quando Fabíola voltou dos EUA, começaram a pensar em segurar o café especial que produziam para consumo do mercado interno, até então totalmente desprezado. “No começo, as pessoas próximas não entenderam direito porque queríamos fazer isso. Mas pra nós sempre foi claro: queríamos introduzir os cafés especiais para um mercado de 200 milhões de habitantes, acostumados a consumir cafés ruins avidamente”, diz Mariano.

“Separamos uma parte da produção para vender dentro do Brasil e, no primeiro ano, não vendemos quase nada. Tivemos que mandar o café pra fora a preço de banana pra não perder todo o investimento. No segundo ano, investimos nossos esforços junto aos principais chefs da gastronomia brasileira e aí, o esforço começou a valer a pena. Começamos a levar os microlotes para os restaurantes provarem e, hoje, trabalhamos com cerca de 150 clientes ativos no Brasil e cerca de 10 lá de fora”, explica Mariano.

A decisão do casal se mostrou muito acertada. “Um restaurante que trabalha com cafés especiais dificilmente volta para os cafés de menor qualidade. Preferimos trabalhar com cafés que combinem com as sobremesas do restaurante, não com a conta”, conceitua Martins.

Martins Café

(Fabíola arrumando o cabelo de Mariano: um tem as ideias e a outra é quem as torna realidade)

Martins lembra que entraram com a marca em um momento em que o mercado estava muito interessante, em franco desenvolvimento. Agora, está nascendo todo um cenário de pesquisas e de tecnologia, em parcerias governamentais. O próximo passo do desenvolvimento é você reconhecer o grão de tal forma que você consegue prever o que ele vai dar no torrador, os grãos estão sendo plantados já com esse conhecimento do perfil da torra. Conhecemos a nutrição e a bioquímica da planta, então você já sabe o que ele vai gerar. É como um médico que já tem todo o histórico de seus pacientes. Como aqui o fazendeiro e o torrefador são os mesmos, existe essa troca de conhecimento, não existe uma quebra que normalmente ocorre em outros produtores.

Finalmente, a torra

Mariano confidencia que sua maior inspiração na torra é o mexicano Manuel Diaz, treinador do Coffee College Institute. “Ele é um cara que trabalha com diversas escolas e tem a mente aberta, acredita que cada café tem sua especialidade. Se você fala com ele buscando alguma certeza, ele vai falar que isso não. “Um dia, fui ajudante de torra num campeonato brasileiro importante. O café estava saindo claramente queimado e o torrefado  chefe da competição  disse que estava correto e que ele nunca errava. Uns dias depois, conversei com o Manuel e perguntei quantas torras ele precisava para chegar em um “café filé”. Ele me respondeu que de cinco a sete, pois em um campeonato mundial, o barista queria alcançar as notas de melão e que, só depois da sétima tentativa conseguiu. Nunca mais participei de campeonato”, confidencia.

Outra pessoa que o inspirou muito e que o fez querer ser um produtor de cafés especiais, foi a cafeicultora Aida Battle, de El Salvador. “Em 2006, li uma reportagem sobre ela na prestigiada revista New Yorker. Gostei tanto que resolvi ali, assumir a fazenda. Ela foi a foi a pessoa que mais me inspirou no mundo para começar a trabalhar com cafés especial”, diz.  Hoje, Battle é a única diretora da Associação Americana de Cafes Especiais, SCAA, que também é produtora


O torrador Diedrich

Na Martins Café utilizam uma máquinas de torra  Diedrich, fabricada no estado americano de Idaho. Uma de suas principais qualidades é que é fabricada com peças fáceis de serem encontradas e repostas. “Quando começar a pensar num torrador, a gente via alguns cafés em que o lote não padronizado, um lote vinha bom, o outro ruim, conta Mariano. “Nosso torrador tem os perfis padronizados, que mantém a curva de temperatura no Excel. Faço o upload no torrador. Outro método que utilizamos é a torra teste. Gravo no torrador como funcionou essa torra e mando de volta para o Excel, para editar e ver o que deu errado e o que deu certo. Eu não gosto de abrir o torrador para ver o grão, porque nisso entra ar e muda as condições de temperatura. Meu negócio é programar, planejar e ver o resultado”, explica.

Esse torrador também tem uma característica que não tem no Brasil, que é a liga de metal. Essa empresa faz aviões, é a mesma liga de metais que eles usavam para os aviões, muito mais segura”, explica Mariano.

“Quando fazemos experimentos ao extremo, percebemos que esse torrador vale o que custou, US$ 35 mil”, diz Mariano.  “Conseguimos definir quais são as temperaturas a cada quinze segundos, se ele vai acelerar ou diminuir para alcançar a curva de torra”, explica.

E vai além: “a torra tem uma parte mística, do sensorial. Mas ela também tem muita engenharia, técnica, muito controle e variações. Tem sua arte, mas tem também  muita matemática. São muitas variáveis e muitos modelos matemáticos mas ao mesmo tempo é simples. A diferença está em checar, acompanhar o que deu errado e o que deu certo”, diz.

Toda vez que o Diedrich termina uma torra, envia um relatória de torra para o escritório da Martins em São Paulo. “Se a máquina oscila, conseguimos perceber em seus relatórios. Temos as torras com os nomes dos estabelecimentos que servimos. Antes, para criar os perfis de torra, era tentativa e erro. Hoje, seguimos planos cartesianos”, confidencia Mariano.

Obviamente, esse resultado só foi alcançado porque a mente cartesiana de Fabíola avalia depois de cada torra do Mariano o que deu certo e o que deu errado. O objetivo é não errar novamente. Entramos com o teórico e, depois, vemos como ele se comporta”, diz Mariano.

Fabíola explica que contam com seis profissionais treinadas para provar o café. “Quanto mais gente provando e julgando, melhor”, sentencia. “Quando fazemos a prova, dizemos ao Mariano o que queremos com aquela torra específica”, diz.

Essa mecânica tem uma razão de ser: enqueanto o Mariano foi criado  e treinado para usar a Classificação Oficial Brasileira  ( COB) para achar defeitos no café, Fabíola, como Q Grader, está mais treinada para ver as qualidades. “Às vezes, o café tem várias notas legais, mas tem defeitos gravíssimos”, exemplifica.

A Martins Cafés

A empresa possui uma equipe de 12 profissionais em São Manuel, sede da fazenda Margarida, e mais 12 em São Paulo, onde fica o centro administrativo e coordenação logística.

Possuem 150  clientes fixos no Brasil e 10 estrangeiros. Esse ano, fizeram 80 nanolotes diferentes, buscando notas florais e frutadas. “Nesse momento, estamos fazendo testes químicos e biológicos para ver se tem algum problema. “Uma novidade que queremos lançar é o café Fruta que Pariu, um lote muito frutado, com notas de mamão. Mas ainda precisamos aumentar o lote pra poder vender.

Hoje, a empresa tem diferentes blends sensoriais de carros-chefes, dentro do portfolio sensorial, e 31 diferentes perfis ao todo. Em 2016, torraram três toneladas de cafés especiais e, em 2017, serão quatro toneladas.

Seu principal mercado é São Paulo, que consome 60% de toda a produção da Martins. Os outros 40% vão para o restante do país.

Cada um com sua paixão

A paixão da Fabíola é a parte de biotecnologia, desde lidar com o maquinário – aliás, é ela, na maioria das vezes, quem conserta -, até a área de pesquisa e microbiologia.

Já Mariano, adora o manejo do ecossistema, tentando trabalhar da forma mais natural possível. “Com o aquecimento global, com o clima cada vez mais maluco, está, de certa forma, forçando nós produtores a pensar em outros métodos de cultivo, voltando para uma coisa mais natural, orgânica. Embora com uma produtividade um pouco menor, temos um equilíbrio muito maior

Fazenda Margarida

A fazenda Margarida fica no município de São Manuel, interior de São Paulo  e foi constituída em 1860. Sua lavoura de cafés foram as únicas na região, que sobreviveram à geada de 1975.

Martins Café

(A casa da Fazenda Margarida, sede da Martins Café, foi construída por volta de 1860)

Possui aproximadamente 600 mil pés de cafés próprios e outros 600 mil arrendados a vizinhos, plantados numa altitude entre 600 a 850 metros. “Não é muito alto, mas a temperatura média da região ajuda nossos cafés a serem especiais”, diz Mariano. São 250 hectares com uma produtividade média de 30 sacos por hectare. Ou seja, produzem 7.500 sacas por ano, em média, sendo  que,  desses, 3.750 de cafés especiais. “Não temos uma produtividade tão alta, porque fica caro e diminui a qualidade do café. Um pé com muito frutos produz um café de menor qualidade. Vira um morango americano, lindo e grande, mas sem nenhum sabor”, ensina Mariano.

Sua equipe de campo tem três pessoas, dois tratoristas e um operador de máquina. No terreiro e nos tanques de fermentação, contratam sempre a mesma pessoa, um ex-tratorista da própria fazenda, que se aposentou há seis anos e adquiriu muita habilidade para identificar os aromas no tanque.

Seu pai gostava de trabalhar com cana de açúcar, porque não dava trabalho e lucrava fácil. Então, para protegê-lo dos revezes, renovou a área destinada à cana  por mais quatorze anos. “A maior parte da fazenda ainda tem esses contratos, que vão até 2020. Após o vencimento dos contratos, teremos mais dois anos para fazer um trabalho de recuperação do solo, descontaminando-o. Nossa meta é ter a fazenda Margarida dedicada 100% ao café até 2030”, adianta Mariano.

(O sino da Fazenda Margarida, que está lá desde sua inauguração)

Plantam as variedades Catuaí e bourbon amarelos. “Gostamos muito dessas duas variedades já que o amarelo, na torra, se comporta de uma forma muito especial.  Martins lembra que o bourbon amarelo, inclusive, surgiu de uma mutação de um café da região de Botucatu, que no começo era chamado de amarelo de Botucatu e, depois recebeu o nome que utilizamos hoje.

“Hoje, somos a única fazenda da região que planta bourbon amarelo. Ninguém mais a utiliza por ser um café de baixa produção. Gostamos de trabalhar com cafés que têm muito açúcar, pois eles são muito maleáveis no processo de torra”, explica.

Além disso, conservacionista como seu avô, Mariano é adepto de uma agricultura muito mais natural. “Quantas vezes você vai numa propriedade e vê que tudo é lindo por fora mas que é pode por dentro. O problema da agricultura moderna é a explosão de pragas. Para combatê-las, o agricultor é ensinado a manter a planta cheia de produtos tóxicos,. Isso significa que a planta está imunossuprimida. Aqui, como temos todos os tipos de fungos e bactérias nas folhas, está todo mundo brigando por comida. Então, nenhuma delas vai conseguir dominar”, esclarece.

Diz que segue muitas das ideias do avô, como por exemplo, o inseticida que utilizam: a casca do café, riquíssima em cafeína e que faz o bicho pequeno travar sua mandíbula. Usa também a calda da bordalesa, que não é aceita como orgânica, apesar de existir há 200 anos, e água boricada, que é um poderoso fungicida.

O futuro

Na cidade de São Manuel, a antiga estação ferroviária, foi projetada por Ramos de Azevedo e, hoje, se encontra em total estado de abandono. Os únicos que se arriscam por lá são pessoas que se reúnem para consumir crack.

(A antiga estação de trem de São Manuel, lugar onde Mariano e Fabíola planejam planos para o futuro)

Mariano e Fabíola sonham em arrendar e recuperar o local, em todo o seu esplendor, e fazer da antiga estação uma escola para treinar os produtores da região a conhecerem seu próprio café. Quem sabe também, uma linda cafeteria.

Esse projeto é a cara desse canal pra lá de arrojado e nada convencional e que está ajudando os cafés especiais brasileiros a ter seu reconhecimento.

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