A atriz que virou barista
Quem vê a desenvoltura da gaúcha Martha Grill (instagram.com/marthagrill) atendendo nos salões da Octávio Café, em São Paulo, não pode acreditar que a profissional tenha, surpreendentemente, apenas um ano de mercado.
Martha Grill largou o teatro em Porto Alegre, onde dirigia uma companhia de teatro, cuja peça-festa, chamada Cabaré Aurora, ficou inacreditáveis dois anos em cartaz.
Às vezes, um ou outro cliente da cafeteria reconhece a Martha Grill de suas participações em importantes filmes nacionais, como o Tempo e o Vento, de 1997, baseado na obra homônima de Érico Veríssimo, o mais gaúcho dos gaúchos.
Do teatro para as cafeterias
Foi então que Martha Grill mudou-se para São Paulo para tentar a sorte no teatro da maior metrópole do país, atrás quem sabe, de uma oportunidade na companhia de Zé Celso, do Teatro Oficina. Mas se machucou, teve que fazer uma cirurgia, abortou a ideia e, como não queria voltar para casa, precisava achar um emprego rápido e alguém lhe disse que havia uma vaga de barista no Octávio Café. Só tinha um problema. Nem sabia que a profissão existia.
Inegavelmente, a paixão pelos cafés especiais foi fulminante. A entrevistada recebeu a equipe do Grão Especial com o mesmo café que ela utilizou durante o Campeonato Brasileiro de Baristas de 2017: um Catucaí amarelo 2SL, da região das Matas de Minas, entre o Espírito Santo e Minas Gerais. A origem é o sítio Vista Alegre.
O campeonato
“A preparação para o campeonato foi uma coisa meio em cima da hora. Dois meses antes, me inscrevi e pedi apoio ao pessoal do Octávio. A loja da Nova Faria Lima conta com um andar inferior, onde Martha preparou uma estação de trabalho, muito parecida com a dos campeonatos. Aí, comecei a procurar alguns cursos para me aprimorar”, conta.
E coincidência das coincidências, a equipe do Grão Especial encontrou a barista treinando em duas ocasiões diferentes: a primeira foi no curso Sensorial Essencial, realizado no Sofá Café, do Centro Cultural Britânico, zona oeste de São Paulo. “Nesse curso, comecei a ter as ideias de como iria basear minha apresentação”, diz.
O segundo, foi o curso de Barista Avançado, do Wolf Café, com Danilo Lodi e o próprio Hugo Wolf, dois dos melhores profissionais do Brasil na atualidade, em se tratando de cafés especiais. “Com eles, aprendi a técnica, eles me ensinaram maneiras diferentes de diagnosticar problemas e de encontrar soluções, algo que mudou a minha maneira de perceber o café”, explica. E o Grão Especial estava lá fazendo uma entrevista com o mestre torrefador, Hugo Wolf.
Depois dos cursos, Martha conta que o foco total foi para a apresentação. “Foi difícil, tive que mudar o dia-a-dia da cafeteria. Começamos aos poucos, montava e desmontava a estação toda noite. Chegava de manhã, pegava a máquina – que, diga-se, pesa uma enormidade -, levava para o andar de baixo. Quando dava 22h00, levava a máquina de volta para o andar de cima, oito da manhã tinha evento e a cafeteria precisava da máquina, tinha que limpar tudo…. No dia seguinte, começava tudo outra vez.
Na última semana, surtou! “Bati o pé e falei pra gerência: gente, vamos ganhar essa parada, vamos deixar essa máquina lá embaixo. Fiquei com uma máquina muito parecida com a do campeoanato, uma La Marzocco FB 80, um modelo mais antigo do que a Linea PB utilizada no Campeonato”, conta.
Voltando ao café
Logo após servir o café para a nossa equipe, Martha comenta: “experimentando o café que usei no Campeonato, você pode sentir imediatamente o melaço no aroma e no sabor. Na competição, aparecia mais o mel, pois tinha menos tempo de torra. Esse aqui já tem duas semanas. O mel se tornou melaço, antes, tinha um pêssego bem marcante. Hoje, virou um sabor de frutas amarelas. A finalização desse café mudou também, mas eu ainda gosto, acho docinho, macio”, explica.
E como foi escolher o café para o Campeonato? “Essa foi a parte mais difícil. Na época, era um período de início de safra.Eu botei na cabeça que precisava buscar um cafezão. Comecei a conversar com as pessoas que entendiam de cafés especiais. Mandavam pra gente as amostras, a gente torrava, experimentava, esperava o próximo”, lembra.
(Martha e seu troféu de segundo lugar, junta com os outros dois melhores baristas do Brasil em 2017: Thiago Sabino e Léo Moço)
Enquanto não encontrava seu café, a barista ia treinando a coreografia, preparando tudo sem os cafés, deixando lacunas nas apresentações, para as descrições da bebida que iria servir.
Catucaí Amarelo
“Foi então, que de repente, há 10 dias da competição, meu amigo Marquinho Gomes, do sítio Ninho da Águia, me envia para provar um café, Catucaí Amarelo 2SL, da região de Matas de Minas, do sítio Vista Alegre. Marquinhos me falou: essa safra está difícil, tá complicada, ainda não bebi café de nível de campeonato. Um dia, ele me liga e fala que encontrou o dito cujo. Foi uma emoção”, diz.
Martha agradece ao Marquinho e ao seu produtor, Fernando Heringer bem como seu coach, Paulo Gabriel. “Sem eles, nãao teria conseguido nada”, jura.
Somando tudo, Martha se preparou por dois meses e teve duas semanas de treinamento. “Uma semana só no subsolo, perdi quatro quilos”, lembra. Durante todo esse tempo, gastou quatro kg de café. “Meu planejamento inicial era ter 15 kg, treinar com 10 kg e levar no mínimo cinco, mas a realidade foi bem diferente”, explica.