Levantamento do IBGE comprova que não há negros nem pardos proprietários de grandes fazendas. Por outro lado, são maioria nas pequenas propriedades familiares.
O último Censo Agro do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) realizado entre 2017 e 2018 e concluído somente no final do ano passado, mostra que o Brasil tem cinco milhões de estabelecimento agropecuários, e 45,4% são dirigidos por produtores brancos. Pardos possuem 44,5%, 8,4% a negros, 1,1% a indígenas e 0,6% a amarelos. São 2,2 milhões de produtores brancos e 2,6 milhões de pretos e pardos, considerando a soma de todos os tipos de propriedades agropecuárias, independentemente da cultura e do tamanha da terra.
Nas grandes propriedades, quase não há produtores pretos. Das 1.559 fazendas com mais de 10 mil hectares, por exemplo, 1.232 são comandados por brancos, 270 por pardos e apenas 25 por pretos. A proporção é de quatro produtores brancos para um produtor preto ou pardo. Já nas propriedades pequenas, com menos de cinco hectares, a realidade é inversa: os pretos e pardos são maioria.
Já quando se leva em conta a extensão das propriedades de cada grupo étnico, a pesquisa retrata uma grande desigualdade: os produtores brancos ocupam 208 milhões de hectares, ou 59,4% da área total dos estabelecimentos, enquanto os pretos e pardos têm, juntos, menos da metade, ou seja, 99 milhões de hectares, ou 28%.
A distorção é ainda mais profunda do que a distribuição da renda nacional apurada na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) em 2015, segundo a qual os brancos detêm 59% da riqueza do país, enquanto os pardos ficam com 33% e os pardos, 7%.
A maior presença de negros entre os proprietários rurais acontece na Bahia, com 15,7%, seguida do Amapá, com 14,6%. No Rio Grande do Norte está o maior percentual de produtores pardos, com 49,4%, assim como em Roraima. Na região Sul, temos o maior percentual de produtores brancos: acima de 90%, seguidos por São Paulo, com 80%.
A inclusão da raça na questão agrária era uma demanda antiga e seguiu as orientações já usadas pelo IBGE em censos populacionais. Cada entrevistado declarou sua cor, escolhendo entre as cinco classificações oferecidas: branca, preta, parda, amarela ou indígena.
Quilombola
Segundo o governo brasileiro, existem 3.447 comunidades quilombolas espalhadas pelo território brasileiro, vivas e atuantes formadas, em sua maioria, de pequenos produtores rurais negros que, além de todas as dificuldades inerentes à atividade agrícola de uma pequena propriedade, ainda têm que lidar com o racismo. Infelizmente, o Censo Agro não possui um recorde específico da cultura cafeeira.
Nos EUA, a distorção é ainda mais grave
Com um passado escravocrata como o brasileiro, a mesma distorção aparece na agricultura americana. Os produtores americanos brancos são donos de 96% das terras cultiváveis. Enquanto isso, os quatro grupos minoritários, pretos, índios americanos, asiáticos e hispânicos são donos de 25 milhões de acres, num valor estimado de US$ 44 bilhões. Passado um século do final da escravidão, os fazendeiros americanos pretos tendem a ser inquilinos mais do que donos das terras. Os proprietários pretos estão mais concentrados nos estados do Sul, da costa leste do Texas até o Cinturão Preto (trata-se de uma zona geográfica em forma de serpente nos sudoeste dos EUA, composta por Mississipi, Carolina do Norte, Carolina do Sul, Tenesse, Texas e Virgínia). Em sua maioria, plantam soja ou madeira de reflorestamento. Os dados americanos são da USDA’s Agricultural Economics and Land Ownership Survey.
Café Especial
Phyllis Johnson é uma afro-americana cuja mãe viúva trabalhava numa fazenda de algodão no Arkansas para poder sustentar seus sete filhos, que estudaram e se graduaram. Phyllis se formou em Ciências na Universidade do Arkansas, fez especialização em administração pública em Harvard e fundou, junto com seu marido, a BD Imports, uma torrefadora de cafés especiais, selecionados criteriosamente ao redor do mundo.
É também a fundadora e diretora da ONG Coffee Coalition for Racial Equity. Em 2018, Phyllis Johnson escreveu um artigo “strong black coffee: why aren’t African-Americans more prominent in the coffee industry”? que ajudou a sensibilizar a indústria do café em torno do tema.
Depois de ter trabalhado com produtores de cafés especiais da África, Ásia e América Central, o Brasil entrou em seu radar. Quando começou a se relacionar com interlocutores da indústria do café especial no Brasil, percebeu que nenhum deles em toda a longa cadeia do café era negro. “Como assim? Onde estão os produtores de café no Brasil afrodescendentes? ”, perguntou insistentemente aos seus contatos brasileiros! Ninguém sabia!
Atenta às semelhanças históricas dos dois países de passado escravocratas, EUA e Brasil, Phyllis Johnson quis saber um pouco mais sobre o papel do negro na indústria cafeeira brasileira, estudou autores estrangeiros e nacionais e acabou escrevendo um livro, lançado no dia 9 de novembro último, nos EUA, intitulado “The Triumph: Black Brazilians in Coffee”, por enquanto disponível apenas em inglês, nos sites da Amazon e de sua empresa, BDImports (www.bdimports.com).
Leia, a seguir, entrevista exclusiva que Phyllis Johnson concedeu ao Grão Especial:
Grão Especial – a indústria do café especial é tão vasta, você conheceu praticamente o mundo inteiro procurando os melhores cafés do mundo para seu negócio. Por quê você se interessou pela história dos escravos brasileiros?
Phyllis Johnson – essa é uma grande questão. Eu deixei o Arkansas e eu sabia que eu não queria lidar com nada que tivesse a ver com a vida no campo. Eu vi minha mãe trabalhar duro ao longo de sua jornada. Eu vi meu pai morrer. Eu vi minha mãe trabalhar com as mãos e ficar com mãos iguais as de um homem. Eu não queria isso para a minha vida. Ela também não queria isso para a minha vida. Ela encorajou todos os seus sete filhos a estudarem e a se formarem. Foi o que fizemos. Depois que me formei e trabalhei como cientista, eu percebi que algo estava faltando. Eu comecei a olhar ao redor tentando perceber algo que me preenchesse. Então comecei a trabalhar com café, algo que me apaixonava. E que tinha a ver com o meu próprio background. Pessoas numa fazenda. Quando você é um importador de café, regiões produtoras podem ser parecidas, mas países não são iguais. Cada um tem sua própria história. Eu estava trabalhando muito com países no Leste da África, comprando cafés do Quênia, Etiópia, Tanzânia, Ruanda, onde se produzem os melhores cafés especiais. Depois, comecei a comprar café da América Central, da Costa Rica, de El Salvador, da Guatemala, e era muito mais fácil.
Eu nunca pensei em trabalhar com o Brasil e aqui está o porquê: o Brasil é imenso, é o maior produtor de café, abastece o mundo com seu café commoditie. E os compradores americanos não estão interessados em pagar melhor por esse tipo de produto e a competição é gigantesca dentro do mercado americano. Não havia razão pra eu trabalhar com cafés brasileiros, meu nicho é outro.
Então eu encontrei minha amiga Josiane Cotrim que queria começar a trabalhar com a ONG Women International Alliance Coffee, criando o capítulo brasileiro. Eu tinha criado o capítulo do Leste da África. Josiane queria prender minha atenção e ela me disse: nós temos trabalhadoras pretas nas lavouras do café. Venha até aqui e veja com seus olhos. Então, em 2014, comecei a questionar meus parceiros comerciais sobre onde estavam os profissionais brasileiros pretos do café? Ninguém sabia me responder. Eu continuei minha jornada esperando alguém me apresentar um deles. Nada aconteceu. Eu viajei, dei palestras, trabalhei com grandes produtores, com pequenos e nada. Nenhuma pista! Por outro lado, algo me encorajava pois ninguém dizia, “pare sua busca, você está errada, não há nada estranho nisso”.
Um dia, estava na África, numa reunião com um diretor executivo de uma associação de cafés especiais e perguntei: “Quando você vai para o Brasil se encontra com brasileiros pretos?”. E ele, um africano, me respondeu: “Por que eu faria isso? Eles são todos motoristas de caminhão”. Eu então percebi que nós, afrodescendentes, não conhecíamos a nossa história. Haviam me dado a chance de fazer uma palestra na associação africana de cafés especiais, numa conferência em fevereiro de 2019. E comecei a falar sobre os africanos que deixaram o continente para trabalhar como escravos no Brasil, para trabalhar essencialmente nas lavouras de café. E ninguém na audiência sabia disso.
Tinha uma pessoa assistindo, da Tanzânia Coffee Board, que disse que nunca soube que africanos haviam sido escravizados e trazidos para o Brasil. Eu fiquei muito indignada. Por que os africanos que foram para o Brasil eram, em sua maioria, da África Oriental, ou seja, do outro lado africano. E eu fiquei muito triste. Porque sou uma afrodescendente americana e sei muito bem de onde vim. E isso não é só história, é sobre como vivemos e somos tratados até hoje. Eu sou uma dessas descendentes, só que minha família foi parar nos EUA, e numa fazenda de algodão. A única diferença é que era algodão, não café. Eu precisava fazer alguma coisa.
Uma outra brasileira amiga minha, Miriam Aguiar, da Fazenda Cachoeira, em Santo Antônio do Amparo, estava interessada no assunto, fez algumas pesquisas e, em sua própria fazenda havia uma pequena comunidade de trabalhadores negros, que ajudavam na colheita. Até que finalmente, vim ao Brasil para encontrá-los.
“Num primeiro momento, não falei de cor de pele, nós falamos apenas sobre café. De repente, eles começaram a falar de suas famílias, suas tradições, do seu trabalho no campo, das boas memórias. No dia seguinte, tivemos um novo evento e eles me disseram que, quando me viram descer do carro, perceberam que não era mais invisíveis, que a vida deles importava. Eles estavam tão contentes, orgulhosos da importância de seus trabalhos que decidi contar um pouco a história dessa gente. E foi assim que nasceu a ideia do livro que acabo de lançar. Eles mereciam isso.
Grão Especial – O que esse livro significa para o reconhecimento da importância dos negros brasileiros no desenvolvimento da cultura do café?
Phyllis Johnson – Penso que esse é o primeiro passo e pretendo também me envolver um pouco mais com o trabalho de quilombolas que produzem café especial, principalmente na Bahia.
Grão Especial – Fale um pouco sobre o livro The Triumph, Black Brazilians in Coffee.
Phyllis Johnson – Em linhas gerais, o livro conta as histórias e as lutas de duas famílias de afrodescendentes cujo passado é interligado com a cultura do café no Brasil, quando os primeiros escravos chegaram e foram levados para trabalhar nas fazendas de café.
Grão Especial – Quais são os próximos passos?
Phyllis Jonhson – O próximo passo é trabalhar para a ONG Coffee Coalition. Eu estou na terra de Martin Luther King, tenho que fazer algo, mas com as armas que tenho, com a minha escrita e comprando cafés especiais. Cada um usa as armas que tem. A maioria das pessoas nada faz porque seu trabalho representaria muito pouco. Mas se cada um fizer um pouquinho só, vamos conseguir erradicar o racismo.Toda a renda da venda do livro será revertida para a ONG Coffee Coalition for Racial Equity e para as duas famílias retratadas no livro.
Tradução do artigo escrito por Phyllis Johnson:
Por 21 anos, trabalhei como importador de café verde nos EUA e notei a ausência de meus colegas negros americanos no setor. Em 2018, escrevi um artigo para a Roast Magazine intitulado “Strong Black Coffee, Why are African Americans More Prominent in the Coffee Industry?” A maior recompensa que tive foi o incontável número de pessoas que me relataram o quanto o artigo os inspirou. Quando a Coffee Review me contatou para falar de seu desejo de compartilhar histórias, apresentar cafés e mostrar a experiência dos profissionais da Black Coffee, fiquei animado em participar. Não raras vezes pensamos na África, ao considerarmos as contribuições dos negros para com o café. No entanto, as contribuições dadas ao café por parte dos negros nas Américas são por demais significativas.
O Passado
A base da indústria de café foi construída com quase 2.000 anos de trabalho combinado dos escravos nas Américas, gerando os 225 bilhões de dólares de que dispomos hoje. A produção e a escravidão do café coexistiram nas Índias Ocidentais e nas Américas Central e do Sul por mais de 160 anos consecutivos, em quase 30 países. Os primeiros fornecedores de café para as colônias dos EUA foram as Índias Ocidentais. Os volumes de produção dos escravos, fazendo uso do sacrifício humano em sua plenitude, igualaram-se aos alcançados agora, com a mecanização moderna.
O gráfico abaixo (Figura 1) foi construído por meio de minha pesquisa, mas a ideia veio de um revisor de um de meus artigos anteriores, que rejeitou minha afirmação de que os EUA tinham relacionamentos de longa data e que dependiam do café produzido por meio do trabalho escravo. O revisor prosseguiu dizendo que as colônias dos EUA, inicialmente, dependiam do Haiti para as importações de café e que a revolução haitiana encerrou sua produção alguns anos depois que o café se tornou importante nas colônias, por volta de 1773. A sugestão era que nossa história de importação do café produzido por trabalho escravo durou “apenas décadas” (suponho que ele se referia às duas décadas entre a Festa do chá de Boston, em 1773, e a Revolução Haitiana, em 1793). No entanto, embora o Haiti fosse o principal fornecedor de café cru da colônia dos EUA antes de sua revolta em 1793, os EUA continuaram a depender fortemente da produção nas Índias Ocidentais, nos anos seguintes. Os escravizados das Índias Ocidentais geraram grande riqueza a todo o mundo por intermédio do café, atendendo à demanda gerada pelos crescentes hábitos de consumo dos EUA. O aumento da demanda de café nas Américas e no mundo coincidiu com a escravização de negros e indígenas na produção, tendo, em alguns casos, durado muitas décadas. Posteriormente, alguns países se afastaram do café e se concentraram mais na produção de açúcar, porém a escravidão continuou sendo fundamental em todos os casos.
Figura 1: A coexistência da produção de café e a escravidão na América Latina
Nação | Café introduzido | Escravidão abolida | Anos em que o café foi produzido em regime de escravidão |
Brasil | 1727 | 1888 | 161 |
Cuba | 1748 | 1886 | 138 |
Porto Rico | 1736 | 1873 | 137 |
Martinica | 1723 | 1848 | 125 |
Grenada | 1714 | 1838 | 124 |
Guiana | 1721 | 1838 | 117 |
São Vicente | 1719 | 1834 | 115 |
Jamaica | 1728 | 1838 | 110 |
República Dominicana | 1725 | 1822 | 97 |
México | 1740 | 1829 | 89 |
Dominica | 1763 | 1838 | 75 |
Guatemala | 1750 | 1824 | 74 |
Venezuela | 1784 | 1854 | 70 |
Haiti | 1725 | 1793 | 68 |
Costa Rica | 1779 | 1824 | 45 |
Colômbia | Ca. 1808 | 1851 | 43 |
Nicarágua | 1796 | 1838 | 42 |
Honduras | Antes de 1804 | 1824 | 34 |
Total de anos combinados | 1664 |
A importância dos negros no café começou paralelamente ao início do café, logo do princípio de sua produção nas Américas. Quando o café se tornou popular nas colônias dos EUA, após a festa do chá de Boston em 1773, as Índias Ocidentais colonizadas foram a principal fonte de abastecimento, embora essa região não seja mais considerada uma grande fornecedora atualmente. Quando as colônias dos Estados Unidos se tornaram os Estados Unidos da América em 1776, continuamos a depender da produção de café nas Índias Ocidentais.
As Índias Ocidentais enviaram quase 600 milhões de libras de café verde para os Estados Unidos, entre 1789 e 1806. (Vide a Figura 2.)
Legados do Passado
Dois legados desta história permanecem:
- Os negros nos EUA continuam sem poder e sub-representados no café. Ficamos muito à vontade com os rostos negros estampados em nossos materiais de marketing em vez de estampá-los em nossas equipes de marketing, tendo-os fisicamente em nossos ambientes de trabalho e em funções de tomada de decisão.
- Muitos dos países que colonizaram as Índias Ocidentais e além ainda possuem os maiores ativos em café atualmente, por meio de empresas comerciais, propriedade de terras e capacidade de produção em todo o mundo. Ironicamente, a região das Índias Ocidentais não é mais um grande fornecedor para os EUA e, agora, valorizamos mais a América Central e do Sul.
Figura 2: Importações de café dos Estados Unidos da América em libras pela região do Caribe 1789-1806
Índias Ocidentais Suecas | Antilhas Dinamarquesas | Antilhas Francesas | Antilhas espanholas | Outros | Total | |
Totais | 2.843.510 | 15.423.370 | 347.824.141 | 26.466.274 | 111.499.973 | 574.261.729 |
De McDonald, M. (2005). The Chance of the Moment: Coffee and the New West Indies Commodities Trade. The William and Mary Quarterly, 62(3), série três, 441-472. doi:10.2307/3491531
As contribuições na produção dos negros escravizados nas Índias Ocidentais e nos campos de café da América Central e do Sul não pararam nos países produtores. Ao acompanharmos o número de grãos de café crus ao longo do oceano, a pesquisa nos mostra que 13 estados dos EUA foram as principais portas de entrada para os cafés vindos das Índias Ocidentais, sendo a Filadélfia e Pensilvânia, de longe, as mais ativas no recebimento de importações de café no decorrer do final do século XVIII e início dos anos 1800.
A pesquisa conduzida por Gary Nash, autor de “Slaves and Slaveowners in Colonial Philadelphia”, mostrou que, embora os proprietários de casas e terras ricos tivessem maior probabilidade de escravizar outras pessoas, 10% dos escravos eram capitães de navios que não possuíam casa ou terra. Os ativos desses capitães de navios eram estritamente vinculados à propriedade da vida humana, os escravos. O artigo de Michelle Craig McDonald, intitulado “The Chance of the Moment: Coffee and the New West Indies Commodities Trade“, revela que, durante o final dos anos 1700 e início dos anos 1800, 88% dos navios que traziam café das Índias Ocidentais para os Estados Unidos eram de propriedade de americanos, com capitães direta ou indiretamente investidos na escravidão de negros para garantir entregas e fazer suas fortunas. Basicamente, os negros escravizados não eram apenas essenciais para a produção de café, mas também carregavam e descarregavam navios cheios de café importado para os EUA.
Figura 3: A sobreposição da produção e escravização do café no sul dos EUA
Nação | Café Introduzido | Escravidão abolida | Anos em que o café foi produzido em regime de escravidão |
Colônias dos EUA | 1773 | 1865 | 92 |
Devemos compreender as contribuições do passado para ajudar a desenvolver o caminho a seguir. Eu vejo o dia em que não estaremos simplesmente contemplando as contribuições dos negros no café, mas vendo ícones atuais entre nós que fizeram grandes avanços. Os historiadores parecem dar mais valor ao lembrar dos reis, missionários, exploradores e colonos brutais que carregaram o feijão de um país para outro por meio do trabalho forçado, resumindo a produção e a força de trabalho simplesmente como uma história obscura e trágica. Quão importante foi o comércio de café no início da história americana? O estudo de McDonald sobre o comércio de café pós-revolucionário ilustra a importância das Índias Ocidentais para o desenvolvimento econômico americano inicial. Visto que a demanda para o consumo doméstico cresceu rapidamente após 1783, o café também se tornou uma das mercadorias de reexportação lucrativas dos EUA.
O Presente
Empreendedores negros como eu e outros, que incluí neste artigo, são motivados pela história do café – vislumbramos um lugar de liderança para os negros no café. A indústria pode aprender muito com profissionais que possuem paixão e conexões ancestrais com o café.
Ninguém valoriza mais as contribuições e o potencial existente nas Índias Ocidentais do que os empresários do café, David e Gaïna Dávila, da Dávila Kafe. David e Gaïna se descrevem como um casal com raízes em dois dos países menos representados do hemisfério ocidental – Gaïna nasceu no Haiti e David tem raízes na Nicarágua e em Porto Rico. Sua inspiração para desenvolver um negócio de sucesso com o café está profundamente enraizada em sua compreensão e apreciação da história do Haiti.
“Hoje”, eles salientam, “o Haiti continua cultivando a variedade Arábica Typica, uma das variedades de café mais antigas em produção, praticamente inalterada desde que foi trazida para o hemisfério ocidental. Mesmo durante uma pandemia global, os agricultores haitianos continuam trabalhando incansavelmente para melhorar a qualidade de sua produção de café, e o fervor de seus esforços não pode passar despercebido. O café, como o conhecemos hoje, não existiria sem a estrada pedregosa percorrida pelo Haiti”.
É preciso alguém, com uma forte liderança e a voz calma, como a de Launtia Taylor, para falar sobre sua própria infância em Trelawney, na Jamaica, dentro na propriedade de café de sua família. Ela se lembra de ter decidido em que árvore subiria para escolher o fruto que queria para o almoço. Launtia explica que o café, o cacau e o rum salvaram a vida de sua família. “Quando comecei a trabalhar com café nos Estados Unidos, estava participando de aulas de treinamento em café, tendo começado a perceber que já sabia muito do que estava sendo ensinado – principalmente no que se referia ao cultivo, colheita e processamento do café, antes da comercialização. Eu não estava familiarizada com os termos técnicos, mas certamente conhecia, em primeira mão, a jornada do feijão. Quando eu era jovem, meu pai começava o dia torrando café na cozinha para o café da manhã. Comecei a beber café por volta dos sete anos. Para mim, nada melhor do que café torrado com leite de coco pela manhã. Mal sabia que já tinha muito conhecimento sobre o café, exceto pelo fato de que era minha bebida favorita no café da manhã. Para nós, crescer tomando café era simplesmente parte do cotidiano; não tínhamos ideia de que se tratava de uma mercadoria tão preciosa, representando uma parte tão vital da economia mundial, para não falar dos benefícios de saúde adicionais”.
A história fornece combustível para continuarmos avançando em uma indústria onde há pouco reconhecimento da grandeza e das contribuições dos negros no café. Nossos heróis do café são normalmente os fundadores de marcas famosas e bem-sucedidas. Respeitamos os inventores de novos equipamentos empregados na produção da cerveja e para a torrefação. De igual modo, os pesquisadores responsáveis pelo desenvolvimento de variedades do café conquistaram nosso respeito. No passado mais recente, declaramos nossa admiração por aqueles que conseguiram preparar bebidas de forma mais dinâmica e aprofundada. Basicamente, sentimo-nos à vontade celebrando aqueles que se deram bem no café e ignorando as contribuições de outros.
Se quisermos abraçar a base estabelecida para a vibrante indústria do café dos Estados Unidos de hoje, nós, como profissionais do café preto, devemos assumir um papel de liderança. Embora essa história pertença a todos, são essas histórias e pesquisas que nos alimentam.
Tragédias recentes, especialmente nos EUA, nos levaram a examinar o tratamento dado aos cidadãos negros, já que estamos em quarentena em nossas casas e considerando como podemos ser cúmplices em nossas vidas e no trabalho. Digo claramente que somos cúmplices. Cada conferência, reunião, palco, café, ambiente de trabalho, sala de diretoria, lista de viagens para verificar a produção, mesa de degustação, programa de desenvolvimento internacional etc., com diversidade racial nula ou muito pequena mostra nossa cumplicidade, devendo nós trabalharmos juntos para mudar essa realidade.
O Percurso Adiante
Temos um momento único no tempo para nos empenharmos em compreender nossa história e criar ações com o fim de produzir melhores resultados no futuro. No início de junho, escrevi um texto de apelo à ação, na forma de uma carta aberta à indústria do café dos EUA, referente ao racismo. A resposta foi extremamente positiva. A ação por trás desta carta está recebendo forte adesão. Estamos trabalhando para estabelecer a Coalizão do Café para a Equidade Racial (CCRE), uma organização 501(c) (3), cuja missão é a de construir uma indústria racialmente diversificada e equitativa, onde os talentos de todos possam ser reconhecidos, desenvolvidos em seu potencial máximo e recompensados. Também acreditamos que é importante compreender o papel que a raça desempenhou na história do café.
Junte-se a nós nesta jornada e atue como voluntário ou ofereça seu apoio para ajudar-nos a construir uma indústria do café melhor para o futuro. Este artigo é o começo do que espero que sejam destaques e histórias futuras de contribuintes negros do café em todo o mundo, tanto no passado quanto no presente. Considerando que o Coffee Review reúne vários empresários do café e histórias de um grupo mais diversificado, espero que gostem das histórias e dos cafés (consulte o Relatório de Degustação de agosto de 2020: Reconhecendo Cafés de Empresas de Café de Propriedade Negra). Todos nós fazemos parte da solução. Continue saboreando maravilhosos cafés e tenha em mente que temos muito a desvendar nesta bela e vibrante indústria.