Produtor de café especial brasileiro só consegue obter lucro quando mecaniza a lavoura

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É o que preconiza o CEO da Pinhalense, Reymar de Andrade, que vem trabalhando ao redor de fazendas parceiras no mundo, para desenvolver processos de fermentação

Grão Especial: o que falta para os cafés especiais brasileiros obterem maior reconhecimento do mercado internacional?

Reymar de Andrade: alguns dizem que o Brasil está chegando atrasado nesse mercado, mas não concordo. Eu diria que o país está sendo descoberto pelo mundo de cafés especiais. O conceito de cafés especiais vinha da padronização da bebida e da expectativa do consumidor de outros mercados, que não o brasileiro. O grande equívoco e um entrave para os nossos cafés especiais é esperar que os cafés produzidos no Brasil apresentem características iguais aos produzidos na Etiopia, Colômbia, etc.

Gosto de comparar com os vinhos, que adoro! Os vinhos, você deseja. A história do Malbec é exemplar nesse sentido. O mundo só desejava e valorizava as cepas produzidas na França. Até que a família Catena, na Argentina, fez um trabalho primoroso com o Malbec, que antes era considerada uma uva de baixa qualidade, na França e muito usada apenas para compor os vinhos, raramente utilizando mais do que 5% em seus vinhos. Hoje, todo o mundo sabe que Malbec bom é argentino e ponto. Isso quer dizer que ninguém compara um Semillion Blanc com Malbec ou Cabernet Sauvignon. Tem horas que você quer beber um Malbec, outras, um Cabernet.

Produtor de café

Reymar de Andrade

E é assim que tem que ser com os cafés especiais. Variedades, regiões e tipos de processos influenciam a qualidade do café. E os brasileiros são tão bons ou melhores do que os de algumas das regiões produtoras de cafés do mundo.

Não se pode querer que um café brasileiro seja comparado com um etíope ou guatemalteco.

Grão Especial: é fácil inovar no mercado de cafés especiais?

Reymar de Andrade: não é muito, não! A Pinhalense desenvolveu anos atrás o processo do cereja descascado e, num primeiro momento, foi contestado como uma aberração do processo de qualidade, já que café especial no Brasil, tinha que ser cereja natural, pelo menos era assim que o mercado internacional preconizava. Descascado e despolpado só era da Colômbia. Ora, esse é o DNA do nosso trabalho: conhecer o potencial de transformar características, incentivando transferência tecnológica. Enfim, deu muito certo e hoje o método cereja descascado é consagrado no universo dos cafés especiais.

Grão Especial: a mecanização da produção dos cafés especiais é um caminho sem volta?

Reymar de Andrade: sem dúvida! Estamos continuamente desenvolvendo novas tecnologias, sempre com o apoio de instituições como a Embrapa, universidades, entre outras, porque acreditamos na transformação do mercado, para permitir que a produção de cafés especiais possa ser mecanizada. Temos que entender que a produção tem que ser dedicada à fazenda como um todo, não só ao microlote. A conta tem que fechar. E, atualmente, no Brasil, essa conta só fecha se mecaniza a produção devido aos custos altíssimos de mão de obra. Só que o mercado internacional de cafés especiais ainda vê com certo preconceito a mecanização. Mas é só olharmos a Colômbia, por exemplo. Antigamente, seus cafés finíssimos eram colhidos manualmente de sete a oito vezes por ano. Com a elevação dos custos de produção, reduziram para seis a cinco vezes. Hoje, algumas fazendas só fazem três ou quatro. Por que? Porque a pressão do custo de produção sobre a cadeia é enorme! Na minha opinião, a cadeia brasileira do café é que que mais transfere valor no mundo, o que o comprador internacional já percebeu. E o restante da América Latina é a que menos transfere valor da xícara até o produtor.

Pinhalense

Grão Especial: voltando ao tema inovação, qual é o grande assunto do momento em termos de produção de cafés especiais?

Reymar de Andrade: os processos de fermentações. Ainda é um mercado restrito, de pequenos produtores, mas é um mercado que nos interessa. Em uma fazenda modelo, em El Salvador, nossa parceira, estamos desenvolvendo um tanque de fermentação acoplado a um sistema de despolpa. Temos tanque de fermentação como parte integrante do equipamento dentro do processo.

Escolhemos El Salvador porque os produtores de lá estão mais adiantados, estão mais lineares, já sabem o que querem. Aqui no Brasil, ainda acontece um processo mais selvagem e esses produtores não vão nos procurar. E nesse momento, os produtores não sabem bem o que elas necessitam, o que devam fazer. Mas temos parceiras com produtores de ponta de Carmo de Minas e estamos contribuindo com eles na criação de um sistema. Mas o importante é que estamos na vanguarda e aptos para fomentar que aconteça por aqui também, já que validamos novos equipamentos em vários lugares do mundo ao mesmo tempo.

Vamos acompanhar por mais umas duas safras antes de consolidar uma linha de produção de fermentação.

Grão Especial: como o processo de fermentação, consolidado, pode ajudar o mercado dos cafés especiais brasileiros?

Reymar de Andrade: acreditamos que os fermentados irão promover uma revolução no perfil sensorial dos cafés especiais brasileiros. Assim que os processos se consolidarem que tivermos perfis mais definidos de fermentação, iremos experimentar bebidas extraordinárias e, muito importante, que outros países não serão capazes de produzir.

Grão Especial: qual foi o faturamento de 2018?

Reymar de Andrade: a previsão é que encerremos o ano com um faturamento de R$ 180 milhões, um crescimento de 10% em relação ao ano passado. Nosso resultado foi regrado por uma grande safra brasileira e, consequentemente, por uma maior demanda em equipamentos. Infelizmente, tivemos momentos da safra em que recusamos inúmeros pedidos. Outro fator que nos possibilitou passarmos ao largo da crise foi que desenvolvemos e lançamos novos produtos. O mais importante foi o novo despolpador, e uma linha nova de secagem estática.

Outra vertente de crescimento em 2018 no Brasil foi o investimento em qualidade de microlote e rebeneficio. A exigência pela preparação de cafés e a comercialização mudou. Os exportadores tiveram que se estruturar melhor e fazer investimentos de seus armazéns, porque têm clientes mais exigentes. E tiveram que adaptar as usinas de processamento e os lotes pequenos são problemas dentro dessas plantas. Dentro de sua planta, tem uma pequena linha pra trabalhar seus microlotes. Plantas de microlotes de grandes armazéns impactaram positivamente nosso resultado. Também lançamos novos produtos, um novo despolpador e os produtores trocaram seus despolpadores

Grão Especial: Planos para 2019?

Reymar de Andrade: em termos de faturamento, teremos um resultado muito semelhante ao de 2018. A safra de 2019 não será tão boa. Mas vamos lançar diversos equipamentos, entre eles, máquinas de chão, uma de colheita de conillon e outra para a linha de arábica, já em janeiro.

Fotos e vídeos: Clodoir de Oliveira

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