O Grão Especial entrevistou, com exclusividade, o francês, Hippolyte Courty, fundador do L’Arbre à Café, que fará uma palestra no Rio Coffee Nation este final de semana. Confira!
O tema da palestra de Hippolyte Courty, no Rio Coffee Nation será Carbono zero no café e o aprendizado sustentável com os vinhos .
Hippolyte é expert em café, é fundador de L’Arbre à Café e consultor de qualidade e biodinâmica. Foi formador de degustações, agente de vinícolas, criador da primeira cave de vinhos naturais em Hong Kong . Em em 2008, criou sua empresa com o objetivo de oferecer cafés de alta qualidade ao mundo da gastronomia. Atualmente, o nome é uma das maiores autoridades em se tratando de cafés especiais orgânicos e biodinâmicos comprados diretamente do produtor, de acordo com uma abordagem inspirada no vinho e no terroir. Hippolyte também é autor de dois livros sobre café: Café e As 101 palavras do Café e escreve para revistas especializadas.
Confira nossa entrevista:
Grão Especial – Antes de mais nada, gostaria de me solidarizar com o cruel assassinato do professor de história e geografia, Samuel Paty, ocorrido no último dia 20. Você, que também foi professor…
Hippolyte Courty – Sim, muito terrível. Eu, inclusive, lecionei história e geografia, como ele, dei aulas por três anos na universidade e cinco anos no segundo grau, e tenho muitos amigos dessa época. Se o curso da minha vida não tivesse mudado em termos profissionais, poderia ter sido comigo. Uma lástima!
Grão Especial – E também você foi crítico gastronômico.
Hippolyte Courty – Sim, trabalhei como crítico gastronômico por muito tempo, mas agora, parei, por uma questão ética. Não posso ser crítico e também ser um proprietário de um café/restaurante. As duas coisas juntas, não são possíveis de serem exercidas.
Grão Especial – e também tem uma larga experiência no mundo dos vinhos?
Hippolyte Courty – Sim, trabalhei por mais de 20 anos na indústria do vinho.
Grão Especial – E é daí que vem seu interesse pelo mundo dos cafés especiais?
Hippolyte Courty – De certa maneira, sim. Em função do meu trabalho, percebi ao longo do tempo, que os melhores vinhos vinham dos melhores terroirs, das melhores uvas e, principalmente, dos melhores agricultores. E, quando abri o meu negócio de cafés, pensei que seria uma boa ideia procurar as mesmas coisas: os melhores produtores, que praticassem uma agricultura orgânica, os melhores terriors, melhores climas e foi assim que fiz. Só para citar um exemplo clássico do mundo dos vinhos, os melhores são produzidos graças à agricultura orgânica. Dos 100 melhores vinhos do mundo, 50 são orgânicos. Tomemos como exemplo o Romanée-Conti, um dos mais famosos vinhos do mundo, seus vinhedos são mantidos segundo os preceitos da biodinâmica e da mínima intervenção, respeitando-se o solo, seu equilíbrio e a filosofia de que o papel de quem faz o vinho é retratar e traduzir da forma mais fiel possível a qualidade do terroir. Acredito que a mesma coisa se traduz num café de excelência.
Grão Especial – E você também foi responsável em introduzir os cafés especiais nos melhores restaurantes em Paris?
Hippolyte Courty – Em alguns, como Saturne, L Ámi Jean, Lasserre, Thierry Marx.
Grão Especial – Qual a característica dos cafés servidos em suas cafeterias em Paris?
Hippolyte Courty – Desde 2009, quando criei a empresa, busco em todo o mundo os melhores cafés produzidos pelo sistema agroflorestal, biodinâmicos e naturais. E somos adeptos do Carbon Free, da pegada livre de carbono.
Grão Especial – Li em uma entrevista sua, que o seu café preferido no mundo é produzido na India, por meio da agricultura védica, de Tamil Nadu.
Hippolyte Courty – Não gosto nada dessas definições. Não é o meu café preferido, pois os cafés variam muito, a cada safra, não tenho um que eu goste mais. Mas eu aprecio, sim, a maneira como os meus amigos indianos produzem esse café, pois são agricultores maravilhosos, e o terroir é excepcional.
Grão Especial – Você trabalha já há algum tempo com os cafés brasileiros da fazenda Camocim?
Hippolyte Courty – Sim, trabalho com o Henrique Sloper desde 2010, da Fazenda Camocim, o Jacu Bird, produzido no Espírito Santo. Assim que eu soube da existência desse café, vim ao Brasil negociar diretamente com o produtor, que é assim que atuamos, via direct trade. Atualmente, trabalhamos também com o Iapar Rouge, da mesma fazenda.
Grão Especial – Percebi que no marketplace da L’Arbre de Café não são comercializados muitos cafés brasileiros. Algum motivo?
Hippolyte Courty – Temos alguns, sim, como o da Daterra, entre outros. O problema é que, de maneira geral, os café biodinâmicos, de agrofloresta do Brasil, são muito caros ao serem comparados com os produzidos em outras partes do mundo. E, muitas vezes, na xícara, ele não se apresenta tão bem. E, como não tenho restrições de importações, tenho ao meu alcance, cafés maravilhosos de todos os cantos do mundo. No meu ponto de vista, o Brasil fez uma opção clara pela alta produtividade, com utilização de tecnologias avançadas mas, que, na minha opinião, não são sustentáveis a longo prazo e os fazendeiros sabem disso.
Grão Especial – Você também produz café?
Hippolyte Courty – Sim, temos uma propriedade no Peru, um dos países com o maior número de produtores de café de agrofloresta.
Grão Especial – Num ano tão conturbado como 2020, com a pandemia, lockdown e tudo mais, você conseguiu abrir uma nova cafeteria.
Hippolyte Courty – Sim, esse ano tem sido uma loucura, 2020 tem sido um ano muito difícil. Além de todos os desafios, estou enfrentando mais um. Estou em casa, testei positivo para o coronavírus, mas estou bem. Mas é fato, conseguimos abrir um novo endereço, no meio de toda essa confusão. Acredito que conseguimos graças ao trabalho que vimos realizando, sempre em busca dos melhores cafés. Mas não está sendo fácil, principalmente num momento em que as pessoas são obrigadas a ficar em casa.
Grão Especial – Na sua opinião, quais são os grandes desafios a serem enfrentados pelo mercado de cafés especiais?
Hippolyte Courty – De maneira geral, creio que o consumo de cafés especiais, em breve, depois que a Pandemia passar e as pessoas se vacinarem, o consumo irá voltar aos mesmos patamares de antes. É só uma questão de tempo. Minha maior preocupação é outra. Os pequenos produtores recebem cada vez menos pelo seu trabalho, estão ficando velhos e seus filhos não querem continuar a trabalhar com cafés. Para quê se não estão conseguindo pagar seus compromissos? Aliado a isso, temos o aquecimento global. Ou seja, é preciso que o negócio seja sustentável do ponto de vista financeiro e ecológico. Parte do meu trabalho e da minha responsabilidade é ajudar a reverter esse quadro. Precisamos procurar desenvolver outros modelos de negócios e que sejam sustentáveis e que assegurem que o negócio do café seja lucrativo, principalmente para os pequenos produtores.
Grão Especial – Que tipo de café o francês gosta mais de beber?
Hippolyte Courty – No geral, o francês ama os cafés mais doces, não gostam de ácidos e não apreciam cafés muito fermentados. Os brasileiros são bastante apreciados por aqui.
Grão Especial – Num ano normal, sem pandemia, quantas vezes você visita os produtores ao redor do mundo?
Hippolyte Courty – Geralmente, oito vezes por ano. Mas em 2020, não saí da França e não vejo a hora de tudo voltar ao normal.
Serviço:
L Árbre à Café – loja que importa, torra e vende pequenos lotes de cafés especiais orgânicos, biodinâmicos e de agroflorestas de pequenos produtores ao redor do mundo.
Endereços: 10 rue du Nil 75002
61 rue Oberkampf, 75011 ambas em Paris