A marca nasceu com a missão de democratizar o consumo de cafés especiais
O carioca de Araruama, na região dos Lagos no Rio de Janeiro, Raphael da Silva Brandão é uma pessoa muito obstinada. Com apenas 28 anos e empreendedor nato, se apaixonou pelo mundo do café especial há pouco tempo e criou uma marca prá lá de forte: a Café di Preto, que tem como missão trazer o protagonismo para as pessoas pretas no mundo do café, ao inserí-las em todas as etapas do processo: do plantio até a xícara.
“Meu objetivo é ter um negócio lucrativo, com um café feito por pretos e para pretos. Quero democratizar essa bebida que tem na sua estrutura e história nosso sangue e suor. Quero pessoas pretas produzindo e bebendo café de alta qualidade a um preço que os pretos também possam consumir”, explica Raphael.
Aos 19 anos, Rapha deixou Araruama para morar no Rio e cursar engenharia de controle de automação na CEFET- RJ. Mudou sua trajetória e foi cursar Engenharia de produção na UFRJ. Começou a se apaixonar pela culinária e sua produção de brigadeiros foi seu sustento nesses dias.
Até que seu amigo, Allan Basílio, dono da microtorrefação Faço Café @facocafe o convidou para trabalhar. “Entrei lá em 26 de fevereiro de 2019 para colar adesivo nas embalagens, mas me apaixonei pelo universo dos cafés especiais e comecei a estudar por conta própria sobre o negócio do café”, explica. Atualmente, é responsável pelo estoque, produção e torrefação da Faço Café.
Em novembro do mesmo ano, visitou a SIC (Semana Internacional do Café) pela primeira vez e ficou alucinado. “Mas, ao mesmo tempo, fiquei procurando outras pessoas pretas como eu, que trabalhassem no universo dos cafés especiais e não encontrei. Foi aí que veio a inspiração pra criar a marca Café di Preto”, conta.
De volta ao Rio, comentou com Allan sobre sua ideia e recebeu o maior apoio. Combinaram que Rapha podia usar o torrador da empresa em horários alternativos e a um valor simbólico para que ele pudesse torrar seus cafés. “Mas eu não queria apenas vender café, queria incluir e valorizar o trabalho dos negros. Pra isso precisava encontrar produtores de café especial que fossem negros. Fiz uma pesquisa num grupo de whatsapp com 250 torrefadores e só achei dois. Mandei mensagem para um deles que não entendeu a proposta e nunca me retornou. Foi uma fase difícil, quase desisti”, explica.
Resolveu começar o negócio assim mesmo, pois acreditava que as oportunidades iriam surgir naturalmente. Então, em dezembro de 2020, pediu a ajuda de um outro amigo, @drawlon, artista e ilustrador negro para a criação do logo, coerente com o projeto. Na sequência, abriu a lojinha no Shoppee, a conta no Instagram e, depois no Twitter. “Só não consegui inaugurar a marca com o café produzido por cafeicultores negros, mas já achei duas famílias produtoras no sul de Minas e os próximos cafés, com certeza, serão deles”, se entusiasta. Um deles é o da produtora Neide Aparecida Peixoto, @neide_peixoto.
Começou comercializando dois microlotes diferentes, o Esperança e o Dandara. O Esperança é 100% arábica da variedade Catuaí Vermelho, cultivados na região do Cerrado Mineiro a uma altitude de 1100 metros e que recebeu uma torra média. E o Dandara é 100% arábica da variedade Catucaí Vermelho, cultivado na região noroeste fluminense a uma altitude de 900 metros.
Os nomes também são uma homenagem a duas mulheres pretas muito importantes para o movimento: Esperança Garcia, considerada a primeira advogada negra do Brasil, e Dandara dos Palmares, que ficou mais conhecida como mulher de Zumbi dos Palmares, mas que dominava as técnicas de combate com a capoeira e era uma verdadeira líder.
Quanto aos preços, Raphael se preocupa em oferecer seus cafés mais baratos do que a maioria dos cafés especiais do mercado, graças ao apoio que tem recebido da Faço Café e do fato de, por enquanto a Café di Preto ser uma empresa de um funcionário só. “Cerca de 80% da população periférica do Rio de Janeiro é de pretos e se eu praticar uma política de preços altas, esse público não vai conseguir consumir meus cafés especiais”, explica. Os pacotinhos da Café di Preto estão sendo comercializados pelo Shoppee.com, e o preço varia entre R$ 17,60, o Dandara 250g moído, o Esperança 250g moído a R$ 23,10 ou o combo Resistência a R$ 34,10, entre outras opções.
Aprendizado empírico
Raphael ainda não teve condições de fazer um curso formal de torra, o que aprendeu foi na prática torrando para a Faço Café. Para ajudar, um amigo traduziu uma apostila do especialista Scott Rao @whereisscottrao, que lhe tem ajudado muito, e que tem sido material de estudo diário.
“Em cinco anos, pretendo fazer um curso formal de torra, outro de percepção sensorial, me tornar Q-Grader, participar do concurso de torra na CIC de 2023 e abrir uma cafeteria. Quero ser um profissional de ponta no universo dos cafés especiais e, assim, poder ajudar no progresso profissional de muitos outros profissionais negros e inspirá-los a serem também empresários de sucesso!”, se entusiasma. Como eu disse no início da matéria, Raphael é muito obstinado. E essa qualidade vai fazer dele um exemplo pra muita gente! Mais do que uma marca de café, o que Raphael está fazendo é tentar devolver aos negros a relevância de seu trabalho nas lavouras de café no Brasil. “O preconceito estrutural faz com que as pessoas se refiram sempre ao trabalho de preto quando querem dizer que algo foi mal feito. Eu quero apagar isso. O café di Preto é feito por preto e para preto. Quero que quando alguém for tomar meu café sinta orgulho do trabalho do preto, pois vai estar tomando um café de alta qualidade. Vamos desconstruir essa fala!,” se orgulha Raphael.