Além de profundo conhecedor de chás, virou celebridade internacional com seu canal no Youtube, o Mei Leaf.
Aqui no Brasil, quando se fala em chás, logo atribuímos conhecimento a quem nunca os teve. Sim, estou falando dos britânicos. Afinal, nos livros de Dickens, Jane Austen, irmãs Brontë e John Le Carré, todo os personagens amam e tomam muito chá. Isso sem falar nos famosos serviços de chá da rainha.
Mas o que muito brasileiro desavisado ainda não se deu conta é que o britânico médio toma seu chá preto de saquinho, de qualidade duvidosa, acrescido de limão e leite. Nada de experimentar oolongs, chás verdes, brancos, matchas, amarelos.
Foi preciso muito empenho e esforço de um londrino, filho de mãe suíça e pai chinês, para começar a ensinar aos britânicos que chá é muito mais do que isso. Seu nome é Don Mei, proprietário da mais famosa loja de chás de Londres, a Mei Leaf (www.meileaf.com) localizada no charmoso bairro de Camden Town.
Confira aqui a entrevista exclusiva que Don deu para o Grão Especial e assista ao vídeo:
Grão Especial – Foi difícil começar a ensinar os britânicos a beber um bom chá?
Don Mei – Foi bastante. Muita gente pensa que ter uma loja de chás num país onde seus habitantes amam chá, é fácil. Mas eu digo que, no começo, foi mais difícil do que se eu tivesse aberto a loja num outro país, como o Brasil, por exemplo. Foi muito difícil começar a ensinar para os britânicos algo novo e diferente sobre a cultura do chá. É importante que eu esclareça que eu não estou sendo esnobe, porque beber chá tem muito a ver com alegria, satisfação. Mas não tenho como negar que o conhecimento sobre a bebida aqui, era muito raso. Eles só bebiam chá preto, geralmente vindo da Índia, acrescido de leite e, em alguns casos, limão. O conceito de chá branco, amarelo, verde, puehr, oolong, matcha, era completamente desconhecido para os britânicos. Provavelmente, para muitos ainda é! Atualmente, graças ao nosso trabalho de educação, parte da população já começa a incorporar algumas novidades em seu consumo de chá, o que pra mim, já é um grande passo.
Grão Especial – Como você começou a se envolver com o assunto?
Don Mei – Em 1972, meus pais abriram uma pequena livraria em Londres, especializada em livros sobre a cultura chinesa, especialmente de artes. A ideia era contribuir para uma troca cultural entre os dois países. No decorrer do tempo, meu pai foi estudar medicina chinesa e o negócio se transformou. Fundaram, então, o primeiro centro de medicina chinesa no Ocidente, com o objetivo de divulgar as práticas como acupuntura, quiropraxia, o uso de ervas e outras terapias para os profissionais da área médica. Nesse meio tempo, fui estudar cinema em Nova Iorque, na NYU e, quando voltei à Londres, trabalhei na indústria de entretenimento. Mas, como bom filho de orientais, achei que precisava ajudar meus pais nos negócios, afinal eu pude me dedicar aos estudos, graças a todo o esforço deles. Eles já vendiam alguns poucos chás, de qualidade mais ou menos. Imaginei que estávamos perdendo ao não explorar o universo dos chás. Então, falei para o meu pai que gostaria de estudar um pouco mais e, com seu consentimento, parti para a minha primeira visita à China, onde permaneci por seis meses. Mas, o que aconteceu é que fiquei absolutamente fascinado pelo mundo do chá e nunca mais parei de estudar.
Em 2005, com a ajuda dos meus fornecedores de ervas, fiz a minha primeira viagem como tea hunting. Eu me apaixonei de tal forma que, em 2007, depois de muito estudar e viajar, fundei a Mei Leaf e comecei a trazer para a Inglaterra alguns dos melhores chás produzidos na China. Nada de commodities, mas sim, chás especiais.
Grão Especial – E essa mudança foi bem aceita pelo mercado?
Don Mei – No princípio, foi muito complicado. Como convencer o consumidor a pagar um preço muito mais alto do que ele estava acostumado a gastar para comprar o “mesmo” produto? Na cabeça deles, chá era tudo igual. Muito mais uma commoditie e um bem de primeira necessidade. Pra eles, não fazia sentido.
Grão Especial – E como você conseguiu mudar esse cenário?
Don Mei – Nós percebemos que essa mentalidade só iria mudar com educação. Precisávamos educar nosso público, fazê-lo entender mais sobre os tipos de chás, preparos etc. Então, começamos a promover cursos, workshops e degustações sempre aos finais de semana na loja. Mas era um trabalho de formiguinha, porque num bom dia, podíamos contar com, no máximo, 30 pessoas. E aquilo de ficar repetindo sempre as mesmas coisas, me exasperava um pouco. Porque eu também tinha sede de conhecimento, eu queria ver e aprender outras coisas. Mas cadê o tempo? Até que começamos a pensar a utilizar o Youtube para dar os cursos. Era uma maneira de ser criativo, utilizar meus conhecimentos de produção aliado aos de chá. Dessa forma, meus alunos poderiam se informar 24 horas, sete dias por semana.
Grão Especial – E qual foi seu primeiro destino na China?
Don Mei – Fui para Wuhan e Zhejiang, região dos chás verdes mais famosos da China. Wuhan tem um lugar muito especial no meu coração porque é uma província dedicada ao chá, com uma ligação muito forte à história da bebida. Desde então, já estive no país 22 vezes, de uma ou duas vezes por ano, na primavera ou no outono, melhores épocas para desenvolver meu trabalho.
Grão Especial – Como sua atuação no Youtube mudou seu negócio?
Don Mei – Mudou de forma significativa. Desde que começamos, minha mulher e eu( diga-se de passagem, essa é a equipe inteira de filmagens), ficou bem mais complicada a minha vida. Nós subimos um novo vídeo de cerca de 30 minutos toda semana. Temos de nos dedicar intensamente, além das atividades regulares de um negócio como o nosso. Mas é óbvio que é uma oportunidade excelente, nossa audiência é fantástica, com quase 70 mil inscritos e nos ajudou a crescer muito, principalmente no mercado internacional, vendemos chás para o mundo todo, inclusive Brasil e China, por meio de nosso Marketplace. Além disso, não preciso ficar repetindo sempre as mesmas informações, como acontecia nos workshops. E está disponível a qualquer hora.
Grão Especial – Que chá você recomendaria para os brasileiros que estão começando a se interessar pelo assunto?
Don Mei – Eu diria que os brasileiros poderiam começar a tomar um Kuan Yin (oolong), ele é frutado, cremoso, aromático, com um gosto final de frescor. Ou um chá de jasmim, ou ainda um Long jing dragon well tea (chá verde). Mas, repare, cada pessoa é diferente. O importante é experimentar, sem amarras. Mas posso dar um conselho: encontre o melhor chá que você pode comprar, de folhas, da camelia sinensis, e o prepare de forma correta. O maravilhoso sobre o mundo dos chás é que há uma quantidade imensa de gostos e sabores, arrisco até a dizer que é muito maior do que a do vinho. Outra dica: experimente muito. Percebo muito isso na minha loja. Às vezes, numa degustação, o cliente prova inúmeros chás e nenhum em particular lhe chama a atenção. Sempre digo para eles voltarem aos primeiros e experimentarem novamente. É uma boa dica para descobrir realmente do que gostam. E muitos acabam escolhendo o primeiro ou o segundo. E, claro: o preparo é muito importante. O ideal é que o chá seja preparado no gong fu style.
Grão Especial – Mas em um de seus vídeos você diz que a regra deve ser não ter regras para apreciar o chá. Certo?
Don Mei – Sim. Como tudo na vida, você deve conhecer as regras, obter o conhecimento, e depois quebrá-las! Descubra o que funciona para você. Até por causa do meu background, eu sou um pouco irreverente e não me importo de quebrar algumas regras, sem medo de ferir a suscetibilidade dos chineses no preparo dos chás, apesar de reconhecer e admirar todo o conhecimento passado de geração a geração.
Grão Especial – Como a qualidade da água afeta o chá?
Don Mei – Afeta totalmente a qualidade da bebida, visto que o chá é composto de 99% de água. Meus alunos me pedem um vídeo sobre água, mas envolve muito conhecimento e eu ainda não consegui fazer um sobre o assunto. A água tem infinitas variáveis em sua composição. Mas não vamos entrar nesse assunto. Façamos como o chinês que diz que a melhor água para preparar o chá é a mesma que você usa para aguar as plantas da lavoura. Tem que ser balanceada.
Grão Especial – Você acha a certificação essencial?
Don Mei – Não. No nosso caso, os chás são selecionados de pequenos produtores asiáticos, que produzem chás de altíssima qualidade. Eles vendem seus chás somente para as melhores casas e não precisam gastar com o processo de certificação que é oneroso e demorado. Eles venderão seus chás de qualquer jeito. Acredito que a certificação é válida para os produtores que estão querendo melhorar sua qualidade para poder aumentar o preço final.
Mei Leaf Teahouse – 99, Camden Hight Street, London, NW1 7JN, Reino Unido
@mei_leaf
Fotos: Mei Leaf