Como você classifica o “chá-mate”? Chá, mate ou infusão?

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Nunca se tomou tanto mate no mundo e a bebida já é exportada para mais de 120 países, entre eles, China e Índia, grandes consumidores e produtores de chá.


Acertou se falou que mate é mate. Segundo a mais respeitada sommelier de chás do Brasil, Carla Saueressig, mate não é chá, porque não vem da camelia sinensis, nem da assâmica. É uma infusão, porque tudo que não vem da camelia sinensis acaba sendo uma infusão, mas, para ela, trata-se de uma explicação muito simplória. Ela lembra que, em Portugal, infusão de ervas sem cafeína chama-se tisana, para se tomar à noite. Mas não é o caso da erva-mate porque ela tem cafeína. “Eu aposto no mate ou no “chá-mate”, que é um nome que já está institucionalizado no Brasil. O meu amigo Luiz Horta, um dos mais respeitados jornalistas, especializado em vinhos e gastronomia, também diz que vai morrer usando a denominação chá-mate”, confidencia Carla.

Produtores do Rio Grande do Sul estão fazendo uma revolução no modo de plantar a erva-mate e na sua comercialização

A erva-mate é proveniente de uma árvore da Mata Atlântica, a Ilex Paraguariensis, que pode chegar a até 15 metros de altura. É natural dos estados do sul do país, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e do sul do Mato Grosso do Sul, e está presente em 3% de todo o território brasileiro, o equivalente a 450 km quadrados. É também encontrada na Argentina e no Paraguai. E o Uruguai é o maior consumidor mundial.

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Exemplar da Ilex Paraguarienses.

No município de Ilópolis, no Rio Grande do Sul, cerca de 800 pequenos proprietários rurais, descendentes de imigrantes italianos, estão trabalhando numa autêntica revolução no modo de produzir e comercializar a erva-mate.

Capitaneada pela empresa Inovamate, da geógrafa carioca Ariana Maia e de seu marido, Clóvis Maia – da terceira geração de produtores de erva-mate – , a nova forma de produzir a erva-mate inclui novos cuidados no plantio, no pós -colheita, no treinamento dos mateiros e, principalmente, na parceria com diversas universidades para a realização de pesquisas de desenvolvimento de novos produtos e novas formas de consumo da erva-mate, muito além do preparo do chimarrão e do tereré.

Erva-mate na xícara

“Nosso principal objetivo junto à comunidade de produtores de Ilópolis é aumentar o  consumo da erva-mate no mercado interno, nas outras regiões além do Sul, apostando na utilização da erva-mate verde, para ser bebida também na xícara como um chá, misturada a ingredientes de outras regiões do país. E, também, como um novo ingrediente para a culinária, em pó, parecido com o matchá japonês, para ser acrescido nas receitas de bolos, pães, pudins, geleias, mel, macarrão, massa de pizza, suco, farofa. Uma inovação que os melhores chefs de cozinha do país já estão adotando. A imaginação é o limite”, explica Ariana.

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As frutas da erva-mate serão usadas na fabricação da cachaça.

Uma outra novidade que promete surpreender o mercado é o lançamento da cachaça de erva-mate, produto que foi desenvolvido graças às pesquisas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.  “Os produtores apostam que a erva-mate pode seguir o mesmo caminho do café, com a produção de microlotes de diferentes terroirs e características. Olhamos muito o mercado do café especial e do vinho para aprendermos”, comenta.

Cada uma dessas 800 pequenas propriedades da região de Ilópolis, têm cerca de 15 a 17 hectares e 85% delas têm a erva-mate como principal atividade. O restante é criação de suínos, leite, cítricos e tabaco. “Estamos falando de oito a nove milhões de pés plantados de erva-mate que, até bem pouco tempo atrás, não tinham um manejo adequado, o que não permitia a rastreabilidade e não se prestava atenção devida às plantas que estão ao seu redor. Muito menos se cogitava em aumentar seu consumo com outras utilizações”, conta Ariana.

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O manejo da erva-mate é uma ferramenta poderosa para a preservação da Mata Atlântica, onde a planta é endêmica.

Como se trata de região de Mata Atlântica, todos as propriedades precisam reservar uma parte da área para preservação. “A maioria está localizada em áreas acidentadas, com baixa produtividade”, lembra Ariana.

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Enquanto a cultura do café cresceu e se sofisticou, o cultivo da erva-mate, por muito tempo, permaneceu do mesmo jeito, essencialmente extrativista. “Ficamos 40 anos sem políticas públicas para o setor. Tivemos a criação do Instituto Nacional do Mate, por Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, mais por uma necessidade já que o Brasil exportava erva-mate para a Argentina, mas ela se tornou autossuficiente e obrigou a criação do órgão, que durou apenas 20 anos, de 1938 a 1958. E, depois de sua extinção, tivemos um apagão de políticas públicas que só foi retomada em 2013, com a criação do Instituto Brasileiro da Erva-Mate, por iniciativa do estado do Rio Grande do Sul.

Legenda: enquanto os brasileiros utilizam a erva-mate no preparo do chimarrão, com água quente, os paraguaios a utilizam no preparo do tereré, com água fria.

Erva-mate em microlotes

Na propriedade da família Maia, estão se preparando para já no próximo ano, iniciarem as vendas da erva-mate em microlotes de origem controlada, como acontece com o café especial. “Somente no Rio Grande do Sul existem 58 espécies da Ilex Paraguaienses no Banco de Germoplasma, e a continuação das pesquisas irá proporcionar uma infinidade de sabores na erva-mate. Nosso primeiro microlote de erva-mate será o Reserva Roman, que deverá ser comercializado em pacotinhos de 300 a 400 g. Penso que, em cinco anos, todo o setor estará oferecendo seus microlotes para o mercado, com uma grande diversidade de sabor. E estamos trabalhando para oferecer diversas opções de torra, com granulometria diversa para o consumo da erva-mate tanto na xícara quanto na cuia”, conta Ariana.

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Em Ilópolis, a erva-mate é plantada numa altitude entre 500 e 1500 metros.

O cultivo da erva-mate é feito no sistema agroflorestal, onde a planta cresce sombreada, principalmente pelas araucárias, uma das espécies mais ameaçadas da Mata Atlântica.

Para o coordenador técnico do programa de valorização de qualidade da erva-mate da EMATER, Ilvando Barreto de Melo, que trabalha há 26 anos com a erva-mate, esse é, de longe, o melhor momento para se trabalhar com a cultura. “A erva-mate já está sendo consumida em 120 países e está havendo um forte processo de valorização do produto o que fez com que houvesse uma melhoria significativa na qualidade da erva-mate e nas boas práticas de produção”, diz.

O Brasil exporta para 33 países sendo que a Argentina é a maior exportadora, inclusive para a Síria, que introduziu a erva mate em diversos outros mercados. “Essa reexportação está ajudando muito no processo de ampliar a área de consumo da erva-mate no mundo, que já pode ser encontrada no Chile, Alemanha, EUA, Canadá, Japão, China e Índia”, conta.

Somente no Rio Grande do Sul existem 260 indústrias de transformação e, dessas, 133 já foram capacitadas para trabalhar com normas mais rígidas e 165 profissionais treinados a trabalhar no setor ervateiro, observando regras mais rígidas de higiene, com uma colheita protegida.

O pesquisador explica que no Rio Grande do Sul existem cinco grandes regiões produtoras de erva-mate, abrangendo 206 municípios, com terroirs e características diferentes: Missões/Celeiro, com sede em Palmeira das Missões, berço da erva-mate, Alto Uruguai, na região de Erechim, Nordeste Gaúcho, em Machadinho, Alto Taguari (Ilópolis) e Região dos Veles, com sede em Venâncio Aires, conhecida como capital nacional do Chimarrão. “A importância da análise de dados para traçar estratégias e ordenar o sistema produtivo, levando em conta as características e as potencialidades regionais, é essencial para o sucesso do projeto da erva-mate”, diz.

Ele explica ainda que existem três espécies diferentes da ilex paraguariensis: a de talo roxo, que é mais forte, a de talo branco, que é mais suave e a periquita que possui um sabor diferenciado.

Segundo Ilvandro, o consumo de erva-mate vem crescendo significativamente e o Brasil tem exportado cerca de 35 mil toneladas por ano. Há oito anos, esse número não passava de 27 mil toneladas e, para o final de 2020/21, estamos esperando exportar 40 mil toneladas.

Quem quiser visitar de perto a produção de erva-mate, uma boa oportunidade é fazê-lo com uma especialista como a Carla Saueressig, que organiza, desde o ano passado, a Caravana da erva-mate, com visitação aos pequenos produtores, indústrias e pequenos artesãos. Para mais informações sobre datas e preços, enviar email para alojadochatg@gmail.com

Processos de produção da erva-mate

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