TaEm junho, Veda Viraswami, duas vezes campeão francês de torrefação e responsável pela torra dos cafés servidos nos restaurantes e no Le Cafe Alain Ducasse vem ao Brasil para conhecer um pouco mais sobre nossos grãos especiais
A marca Alain Ducasse não remete apenas à alta gastronomia mundial, contudo, ela é a personificação da qualidade suprema em todos os aspectos. Prova disso é que o chef francês ganhou sua primeira estrela Michelin aos 33 anos em um restaurante com menos de três anos de vida, quando estava à frente do Le Louis XV, no Hôtel de Paris, em Mônaco, em 1990. O mesmo restaurante que, anos atrás foi maculado com a presença de políticos corruptos brasileiros (pleonasmo?), fotografados com guardanapos na cabeça e presos pela Operação Lava-Jato.
Atualmente, com pouco mais de 60 anos, já arrebatou 21 estrelas, possui mais de 30 casas espalhadas pela Europa, Ásia e América do Norte, empregando mais de dois mil colaboradores altamente qualificados.
Embora nossa história não é sobre seus estreladíssimos restaurantes, mas sim sobre sua mais nova paixão: os cafés especiais mais raros do mundo, apresentados pelo maior chef do Planeta com sua assinatura, os Le Cafe Alain Ducasse. Lançado no ano passado com grande pompa e circunstância, como não poderia deixar de ser, ao abrir as portas do primeiro endereço em Paris, Ducasse explicou que a rede terá como missão ser a alta gastronomia aplicada aos cafés. “O serviço é uma experiência única, onde os baristas foram rebatizados de cafeliers/cafelierès, profissionais com conhecimento profundo sobre o preparo dos cafés, linguagens do mercado e da arte do servir, emprestando gestuais da cozinha”, de acordo com o próprio chef.
Planos para o futuro
A princípio, o managing diretor do Le Cafe Alain Ducasse, Olivier Fellous, contou que os planos são de abrir 10 endereços até dezembro de 2020. “Provavelmente, abriremos nos EUA, no Japão e no Oriente Médio”, disse. Perguntado se havia algum plano para o Brasil, apenas respondeu que está esperando a oferta de um grupo investidor.
Com toda a certeza, o interesse pelo mercado dos cafés especiais só faz crescer no mundo e no Brasil, o maior produtor do mundo. Mas o fato é que são ínfimas, até o momento, as iniciativas de chefs brasileiros preocupados em finalizar uma experiência gastronômica de qualidade e não raro, caríssima, oferecendo cafés especiais brasileiros sofisticados. Como aqui muito pouco se cria, quase tudo se copia…
E então, para conhecer um pouco mais sobre o Le Cafe Alain Ducasse entrevistamos com exclusividade, Veda Viraswami, campeão francês de torra em 2017 e 2018 e terceiro lugar no campeonato mundial de 2018, responsável por todos os assuntos relacionados a café especial na empresa de Alain Ducasse. Veda virá ao Brasil em junho, para participar do Roasting Camp, promovido pela Capricórnio Coffees, juntamente com os campeões de torra da Rússia e Japão, Vladimir Nenashev e Yoshiyuki Nakamura, respectivamente, para trocar experiências com torrefadores brasileiros e conhecer um pouco mais sobre a cena dos nossos cafés especiais.
Veda Viraswami
Grão Especial – Como você começou a trabalhar com cafés especiais?
Veda Viraswami – Eu vim das Ilhas Maurício (ex-colônia holandesa, depois francesa e atualmente independente, localizada no oceano Índico) para a França estudar engenharia. Antes de terminar meus estudos, já estava envolvido com o trabalho de torra de café que, naquela época, 15 anos atrás, ninguém sabia o que era café especial. Me interessei pela torra porque queria entender toda a ciência por trás do processo e como as leis da física e da química podiam alterar todo o trabalho.
No começo, abri uma pequena empresa em Estrasburgo, no leste da França. Só torrava em pequena escala cafés de qualidade, mas não eram especiais. Posteriormente, começaram a surgir informações sobre os cafés especiais e não parei mais de pesquisar, visitar fazendas ao redor do mundo etc. Na sequência, fui contratado por uma empresa chamada Les Cafes Sati, que possui fábrica também na Polônia. Trabalhei lá por cinco anos, dividindo meu tempo com cursos de torra que eu aplicava pela metodologia SCA.
Grão Especial – E como você foi trabalhar com Alain Ducasse?
Veda Viraswani – No ano passado, em abril/maio, recebi a visita de um funcionário do Alain Ducasse que queria me conhecer para que eu treinasse uma pessoa do time deles, uma vez que eles já tinham estabelecido todo o plano de negócios para os Cafés Alain Ducasse. Marcamos, ele veio ao meu escritório, treinou o dia todo e, no final, disse que eu era a pessoa que eles queriam lá. Depois de alguns dias, eu tive uma reunião com o próprio Alain Ducasse.
Grão Especial – Com o próprio mito?
Veda Viraswani – Sim, e ele já sabia absolutamente tudo sobre mim. Depois de 10 minutos, ele me disse para assinar o contrato. E eu, assustado, queria discutir alguns detalhes importantes. Conversamos e nos acertamos.
Grão Especial – E qual é exatamente seu papel no Café Alain Ducasse?
Veda Viraswami – Eu sou a pessoa que coloca em prática a visão de Alain Ducasse sobre os cafés especiais. Simples, mas preciso. Trazendo a experiência máxima da gastronomia à xicara de café. Não só, como também sou responsável por tudo o que envolve a classificação, a torra, as receitas, tudo tem que ter a minha aprovação antes de passar pelo crivo de Alain Ducasse.
Grão Especial – Além das cafeterias, você torra os cafés servidos nos restaurantes da rede?
Veda Viraswami – Nesse momento, estou torrando para alguns restaurantes, para os dois cafés de Paris e o de Londres, que foi aberto mais recentemente. E irei torrar também para o terceiro endereço, que também será aberto em Paris, em junho. Como a filosofia do grupo é a de preservar a qualquer custo a qualidade máxima do que serve aos seus clientes, nesse momento, não tenho condições de torrar para todos os endereços AD. Nosso crescimento será paulatino, com consistência. Mas certamente, é o que acontecerá num futuro próximo.
Grão Especial – Como os cafés são selecionados?
Veda Viraswami – Além da torra, sou responsável também pelo coffee hunting. Portanto, para um café ser servido por nós, é preciso que seja realmente uma experiência única, primorosa.
Grão Especial – Vocês servem cafés brasileiros na Cafeteria?
Veda Viraswami – Gosto muito de trabalhar com os cafés brasileiros para nossos blends de espresso, atualmente utilizamos um blend com grãos do Cerrado Mineiro, não lembro o nome da fazenda. Mas, infelizmente, até esse momento, não trabalhamos com nenhuma origem única do Brasil. Todos os cafés que experimentei, alguns Bourbons amarelo e vermelho, não me satisfizeram a ponto de apresentá-lo a Alain Ducasse, que é quem dá a última palavra.
Grão Especial – Sua visita ao Brasil em junho pode render algumas surpresas bem positivas…
Veda Viraswami – Espero que sim. Eu estou pessoalmente muito interessado em conhecer mais a fundo a cena dos cafés especiais brasileiros. Eu realmente gostaria de poder trabalhar com grãos de origem única de uma fazenda brasileira, e que eu pudesse trabalhar de forma especial a torra. Mas para isso, quero conhecer de perto todo o processo. Eu preciso checar in loco tudo o que foi feito antes do grão chegar à xicara do nosso cliente, para poder fazer o meu trabalho. Meu objetivo é enaltecer cada pequeno detalhe do que foi feito no campo, para que as notas mais sutis possam realmente ser percebidas. Nem sempre é fácil. Nossa filosofia é trabalhar com precisão, transparência e explicar às pessoas que o que fazemos aqui é totalmente diferente. Além disso, será uma ótima oportunidade para dividir experiências, técnicas e filosofias de trabalho com os outros profissionais da torra que estarão no Roasting Camp.
Grão Especial – Você só torra café?
Veda Viraswami – Nozes também. Alian Ducasse também tem uma fábrica de chocolates e temos utilizado cacau criolo do Brasil para confeccionar os chocolates finíssimos. Recentemente, recebi a visita do Alex Atala e discutimos muito sobre as macadâmias. Elas sofrem os mesmos efeitos químicos na torra, mas em temperaturas bem diferentes. Em breve, teremos algumas novidades.
Grão Especial – Nesse momento, que cafés vocês estão servindo nas cafeterias?
Veda Viraswami – Temos cafés magníficos como o Gesha do Panamá, da Costa Rica, do Iemen. Este último servimos no método filtrado. É um café excepcional, muito raro, fino, delicado e que eu tentei traduzir todas as nuances num processo de torra cheio de paixão.
Grão Especial – E pelo o que eu li, caríssimo também.
Veda Viraswami – Certamente, por ser raro, é um café caro. Uma xícara de um café espresso blendado nas cafeterias Alain Ducasse, custa, em médio, 2,5 euros. O do Iemen, vale 15 euros.
Grão Especial – Os cafés Alain Ducasse estarão nos supermercados?
Veda Viraswami – De maneira nenhuma. Nunca. Apenas nas nossas cafeterias e em alguns restaurantes de Alain Ducasse. Nós queremos que as pessoas venham às nossas cafeterias para terem uma experiência, da mesma forma que elas escolhem um dos nossos restaurantes para jantar. Estamos muito acima de qualquer padrão!
Endereços
Manufatura
12, rue Saint Sabin ( Metrô Chemin)
75011 – ParisLoja
47 rue du Cherche Midi, 75006Londres – Coal Drops Yard
16, Bagley Walk Arches, London N1C 4DHFotos: Pierre Moneta